TANUSSI CARDOSO (1946-

A Hora Absoluta

Estranhos
meus mortos abrem as janelas
penetram em meu quarto
e me sufocam.
Insinuantes
me beijam e sangram em mim
alegrias e pecados
acariciando, sem pudor
meus sonhos, minhas partes
e meus ossos.
Meus mortos e seus gemidos
têm rostos, sinais
e olhos que fagulham calafrios.
Ousados
vêm no breu do sono
e debruçam sobre meu corpo
silentes e queridos
e rezam
e choram por mim
como a lua clamando
sua outra metade
como um espelho
colando os próprios vidros.
Meus mortos sem censura
meus delicados mortos
que, à noite, penteiam meus cabelos
e, solidários, preparam o meu jardim.



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La hora absoluta


Extraños
mis muertos abren las ventanas
penetran en mi habitación
y me sofocan.
Insinuantes
me besan y sangran sobre mis
alegrías y pecados
acariciando, sin pudor
mis sueños, mis huesos
y mi carne.
Mis muertos y sus gemidos
tienen rostros, señales
y ojos que producen
escalofríos.
Osados
vienen con la brea del sueño
duermen en mi cama
y me despiertan
se inclinan sobre mi cuerpo
silentes y queridos
rezan
y lloran por mí
clamando como la luna
su otra mitad
como un espejo
que une sus propios fragmentos.

Mis muertos sin censura
mis delicados muertos
que, en la noche, peinan mis cabellos
y, solidarios, preparan mi jardín.




Traducción de Angélica Santa Olaya

Morada



ali, onde os girassóis aprendem a dor do sol

o mar salga as águas primevas

e os peixes aprendem guelras e escamas.

onde o primeiro homem sangra o primeiro dente

e sacia a sede do próximo.

ali, onde os jardins sonham suas texturas de seda

a primeira palavra se pronuncia

e a primeira lágrima mancha a face serena.

onde os insetos queimam peles e copulam flores, frutas e mel.

ali, onde se ouve o nome que será seu:

escolhido, o criado, o nome que será chamado Eu.

onde as estátuas morrem

pedra e amálgama

e se fazem alma.

ali, no morder das línguas, no arder das chuvas

onde se reproduzem sombras e auroras

e o silêncio se faz poema e ilumina a Terra.

onde Deus habita e dança,

bafeja o Seu Hálito

e alivia a Sua Febre.

ali, dentro dos umbigos, onde se ordenam Tempo e Movimento.

no oco, onde explode e vive - único - o azul.

no abismo, onde reverberam os instintos

é que o Amor - nascedouro

cresce belo - e a tudo inunda .



*****************


Morada


allí, donde los girasoles aprenden el dolor del sol
el mar pone sal a las aguas primigenias
y los peces aprenden agallas y escamas.
donde el primer hombre sangra el primer diente
y apaga la sed del prójimo.
allí, donde los jardines sueñan con sus texturas de seda
se pronuncia la primera palabra
y la primera lágrima mancha la faz serena.
donde los insectos queman pieles
y copulan flores, frutos y miel.
allí, donde se oye el nombre que será tuyo:
el elegido, el creado, el nombre que será llamado yo.
donde mueren las estatuas
piedra y amalgama
y se hacen alma.
allí, en el morder de las lenguas, en el arder de las lluvias
donde se reproducen sombras y auroras
y el silencio se hace poema e ilumina la Tierra.
donde Dios habita y baila
respira Su Aliento
y alivia Su Fiebre.
ahí, dentro de los ombligos
donde se ordenan Tiempo y Movimiento.
en el hueco, donde explota y vive ―único― el azul.
en el abismo, donde reverberan los instintos
es que el Amor ―donde todo nace―
crece hermoso y todo inunda.





Traducciones de Óscar Limache




http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/garrafa10/igorfagundes.html

https://simaopessoa.blogspot.com/2007/02/tanussi-cardoso-e-precariedade-humana.html

https://www.festivaldepoesiademedellin.org/es/Festival/31/TanussiCardoso/

Fado"




Agora, podes ficar onde a tormenta não mais te alcança.

Onde Deus não mais te eleve.

Onde o mar não mais te salgue.

Onde o azul não te aborreça.

É assim o amor – vela por nada.

Cuida por nada.

E quando pensas que és,

teu sangue estanca.

Já em "Das mortes" lemos o excelente "O morto", que tem esta última estrofe:

Tudo permanece em seu lugar.

(...)

O morto é um poema

acabado

solto

completo.

Quase Parábola



Quando eu morrer,

os olhos de minha mãe lembrarão de barcos antigos

e os dias anoitecerão lentamente.

Só eu estarei amanhecido,

vendo a junção das montanhas e dos rios.



Pleno de auroras e sementes.


****************


Casi parábola



Cuando muera,

Los ojos de mi madre recordarán barcos viejos.

y los días se irán oscureciendo lentamente

Sólo yo seré amanecer,

viendo la unión de montañas y ríos.



Lleno de amaneceres y semillas.

O poema só serve para acender o fogo intenso do frio que te habita.
Para te golpear como a dor do fim do amor que amas,
ou como raio a quebrar o lago que te espelha a face.
O poema só serve para deixares de bordar estrelas
e cumprires teu destino humano,
pois cabe somente a ti o teu enredo.
O poema não está nem aí para tua felicidade ou suicídio.
O poema só serve para que saias de ti, te leias e te encontres.



*****************


El poema sólo sirve para encender el intenso fuego del frío que te habita.
Para golpearte como el dolor del fin del amor que amas,
o como un rayo rompiendo el lago que refleja tu rostro.
El poema solo sirve para que dejes de bordar estrellas
y cumplas tu destino humano,
porque tu trama depende sólo de ti.
Al poema no le importa tu felicidad o tu suicidio.
El poema sólo sirve para que salgas de ti mismo, te leas y te encuentres.

TEIAS


Alimentar aranhas,

eis o meu ofício.

Deixá-las criar tentáculos.

Moscas mansas

apaixonadamente sangrar.

Cuidá-las para tecer

os pequenos vícios

do seu tear:

venenos sutis

tatos improváveis

-vivê-las.

Redescobrir as cores

as sedes e as sedas.

Entrelaçar as sendas

do meu destino nelas:

véus de astúcia

morte e viuvez.

Decifrar sua dança:

rede de valsas

fios de arame.

Aprender com elas

o ritmo do salto.



*****************



TELAS

Alimentar arañas,
es mi oficio.
Dejarles crecer tentáculos.
Cuidar
los pequeños vicios
de su telar:
experimentar
los tactos improbables
(sutiles venenos).
Redescubrir colores
en la casa de las sedas.
Tejer
mi destino a ellas:
velos de mortal astucia
viudez.
Descifrar su danza:
valses tejidos
con hilos de alambre.
Aprender con ellas
el ritmo del salto.


.


Trad: Angélica Santa Olaya

***

O amor é o tempo corroído pelo vento;

o sorriso de quem doma leões;

bússola de desalento;

sombra soturna dos porões.



***



O amor é a beleza da vida e da morte

feito a pérola dentro da ostra.

É a urgência da cura e do corte

feito ferida grudada na crosta.


***

o pijama despido do corpo

dorme seus sonhos



o rosto no retrato

estampa uma febre antiga



o piano dedilha

memória e descompasso



o fantasma de um gato

descansa no sofá



a escada suspira

os passos dos homens



no escuro as coisas brilham seus nomes

ORIGEM 1

eu não sou
de onde nasci

eu não sou
de onde vim

nenhuma língua me engana
nenhuma terra me enterra

eu sou
onde estou

eu sou
onde sou




***************


ORIGEN 1

yo no soy
de donde nací

yo no soy
de donde vengo

ningún idioma me engaña
ninguna tierra me entierra

yo soy
donde estoy

yo soy
dónde soy

DOS SIGNIFICADOS

É o poema aquilo que tentamos
ou seus tentáculos?

É o poema labirinto de encantos
ou esfinge de desencontros?

É o poema o que possuímos
ou o que está solto?



*****************



DE SIGNIFICADOS

El poema es lo que intentamos.
o sus tentáculos?

Es el poema laberinto de encantamientos.
o esfinge de desencuentros?

Es el poema loque poseemos.
o lo que esta suelto?

CHARCO


Que coisas me espantam?
Que coisas me espantam por dentro?
Quem me espanta?
Que espanto sou eu?
Que irrespirável verdade?
Que irrespirável mentira me habita?
O que me encurrala sem paredes?
Que segredo – imenso e brutal –
Entre mim e o que sou?
Por que, dentro, a poesia?
O que é o poema?
Por que ele me espanca?




*********************

CHARCO


¿Qué cosas me asustan?
¿Qué cosas me asustan por dentro?
¿Quién me asusta?
¿Qué asombro soy?
¿Qué irrespirable verdad?
¿Qué irrespirable mentira me habita?
¿Qué me atrapa sin paredes?
¡Qué secreto – inmenso y brutal –
¿Entre yo y lo que soy?
¿Por qué, dentro, la poesía?
¿Qué es el poema?
¿Por qué me golpea?

Quase Parábola



Quando eu morrer,

os olhos de minha mãe lembrarão de barcos antigos

e os dias anoitecerão lentamente.

Só eu estarei amanhecido,

vendo a junção das montanhas e dos rios.



Pleno de auroras e sementes.




*********************


Casi parábola



Cuando muera,

Los ojos de mi madre recordarán barcos viejos.

y los días se irán oscureciendo poco a poco.

Sólo yo seré amanecer,

viendo la unión de montañas y ríos.



Lleno de amaneceres y semillas.

QUASE



O poema brota da sombra da escuridão.

Dessa luz obscura do cotidiano

que nos toca de raspão

feito um vento obsceno.

Que a vida é só um risco

no nosso corpo

diante da imensidão do universo

ou da imensidão da Morte,

maior que a do céu e a do mar.

O poema se escreve sobre o que não se vê.

Não vemos a árvore a nossa frente,

nem a Lua,

nem o corpo assassinado,

nem o amor que beijamos;

vemos o que criamos sobre o real.

Nasce do símbolo e se alimenta dele.

Canibal.

O poema pendura a vida na língua.

Brota do tédio.

Uma espécie de melancolia. De esperança.

Ou quase.



O poema é sempre um quase.



https://artecult.com/sextas-poeticas-confira-o-poema-inedito-de-tanussi-cardoso-quase-e-suas-dicas-da-semana/

SUBSTANTIVOS



faca é faca

pão é pão

fome é fome

amor é amor


estranho desígnio das coisas

de serem exatamente elas

quando as olhamos sem paixão


**************



SUSTANTIVOS

cuchillo es el cuchillo
pan es el pan
hambre es el hambre
amor es el amor


extraño designio de las cosas
de ser exactamente ellas
cuando las miramos sin deseo


Trad: Leo Lobos




https://www.tanussicardoso.com.br/post/5-pizza-places-you-must-know

TERCEIRA ELEGIA

(trecho)


Estive sempre de pé no ônibus, espremido
[entre o ferro
da cadeira e o rumor dos passageiros.
Educado a ser o último, cedi o lugar a gestantes

[e idosos.
Estive sempre de pé no ônibus, me defendendo
ao largo do corrimão de tantos rumos,
alianças e ponteiros com paradas diferentes.
E o brado irritante do cobrador ainda a exigir
um passo à frente.

O fato de não ter sido é mais trabalhoso
do que a fama. Prossegui a me imaginar,
sondando o que poderia ter vivido.
Disperso, anônimo, no comício do mar
e nas trevas.

Diminuindo o risco, reduzimos a possibilidade
de nos libertar. O medo, o medo, o medo
é o que nos faz escolher.

Descobre-se um amor
na iminência de perdê-lo.



l

Por mais que uma vela
seja vizinha
de outra chama,

por mais que uma vela
seja seguida
pela caravela de sopros,

por mais que uma vela
segure a barra do vestido
na ascensão,

a vela é sempre solitária,
uma forma da luz
ser indigente.




http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet049.htm