Dom Quixote em cordel – adaptado da obra de Miguel de Cervantes
Em 2005, ano da celebração do IV Centenário da publicação da primeira
parte do Dom Quixote, uma discreta e curiosa homenagem ao texto cervantino
foi publicada em terras brasileiras. Dom Quixote em cordel – adaptado da obra
de Miguel de Cervantes foi editado com ilustrações a cargo de Jô Oliveira,
artista conterrâneo do famoso xilogravador pernambucano J. Borges.
Antes de ir ao texto de J. Borges, é importante lembrar que o lastro deixado
pela literatura espanhola na arte brasileira de inspiração popular, sobretudo na
do Nordeste brasileiro, não data dos nossos dias. Em alguns reconhecidos
nomes da literatura brasileira, tal como Ariano Suassuna, o diálogo entre
elementos da tradição cultural peninsular (entre eles os do romance picaresco
espanhol, por exemplo) e a cultura popular do Nordeste brasileiro chegaram a
configurar uma verdadeira estética, que rende frutos para além das obras do
romancista paraibano.
Se bem é verdade que no poema de J. Borges o tema central é a viagem do
Cavaleiro da Triste Figura ao Brasil, também é certo que, desde o ponto de
vista formal, a recepção ficcional da fábula cervantina opera no seu texto uma
aproximação entre a personagem do fidalgo manchego e o imaginário popular
do Nordeste brasileiro a partir da figura do cangaceiro, compreendido como
“imagem de síntese” (Pernambucano de Mello, 2010: 21) de toda uma cultura.
Desta forma, o poema se constitui como uma interlocução transatlântica entre
imaginários distanciados no espaço e no tempo, a partir de idas e vindas entre
as culturas brasileira e espanhola, propondo uma releitura criativa de distintas
mentalidades, que apesar das diferenças detectáveis alcançam uma integração
bem ao gosto dos diversos e reiterados sincretismos brasileiros.
Em linhas gerais, estes são os ingredientes básicos de Dom Quixote em
cordel, que se identifica arquetipicamente com a literatura espanhola dos
pliegos de cordel da época de Cervantes, bem como com vários personagens
surgidos da sua pluma, entre eles Sancho Pança, o inesquecível companheiro de
Dom Quixote.
Na literatura de cordel do Brasil, os embates entre personagens
do imaginário nordestino com grandes figuras da cultura universal são
recorrentes.
Os cordéis vendidos nas feiras e centros de cultura popular
referem-se especialmente a personalidades conhecidas, sejam eles figuras de
caráter religioso, célebres autores da literatura universal ou personagens de
tradições mais ou menos remotas, tal como Pedro Malasartes, Marcelino Pão e
Vinho e outros, numa tendência que aproxima o Brasil popular do cotidiano a
algumas de suas longínquas origens peninsulares.
Apesar do Dom Quixote em cordel não seguir exatamente a mesma forma
dos cordéis tradicionais, já que foi publicado numa cuidada edição de
dimensões razoáveis, o poema de J. Borges remonta a um gênero clássico da
literatura de cordel: trata-se das histórias relativas aos enfrentamentos entre
Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), um dos arquetípicos cangaceiros
conhecido como Lampião, e os mais variados opositores, reais ou fictícios.
Os cordéis dedicados aos embates de Lampião, legendária figura do cangaço
brasileiro, apontam para a sobrevivência dessa personalidade histórica no
imaginário popular brasileiro, e ao mesmo tempo aproximam seu mito literário
de personagens consagrados em outras latitudes. Na adaptação de J. Borges,
Dom Quixote cochila em território manchego e termina despertando no meio do
cangaço, seguindo viagem até se enfrentar com Lampião, que faz o papel de
Cavaleiro da Branca Lua ao derrotar o anti-herói cervantino.
Grosso modo, o fenômeno social do cangaço tem suas raízes nos grupos de
irridentes que assaltavam o sertão nordestino desde os tempos do Império, mas
seu auge e crise final no primeiro terço do século XX, e tem na figura de
Lampião e na de sua companheira, Maria Gomes de Oliveira (1911-1938), a
famosa Maria Bonita, dois modelos paradigmáticos cujos ecos ressoam ainda
nos dias de hoje, especialmente na arte de matriz popular como é o caso do
cordel criado por J. Borges.
Antes de adentrar nos versos de J. Borges, é preciso destacar a importância
das ilustrações de Jô de Oliveira para compreender o Dom Quixote em Cordel.
Oliveira representa o embate entre Dom Quixote e Lampião através de uma
série de ilustrações que complementam a história contada por Borges bem
como dialogam com ela. Desta forma, há relação direta entre os versos do
cordelista e as representações das imagens dos cangaceiros na edição de sua
adaptação.
As ilustrações de Oliveira são uma homenagem a Cervantes, mas
principalmente à estética da literatura de cordel, cujos traços típicos se baseiam
na técnica da xilogravura popular brasileira, linguagem artística da qual J.
Borges é um dos mais exímios representantes. O Dom Quixote estilizado de Jô
Oliveira toma também como referência direta a chamada “estética do
cangaço”19, na medida em que a figura do Cavaleiro Andante bem como a de
seu fiel escudeiro se insere quadro maior da iconografia relativa ao cangaço e
aos cangaceiros.
Um Dom Quixote cangaceiro é o que se vê (escuta e lê) em Dom Quixote em
cordel? Não exatamente. O que surge nas suas páginas é um fidalgo vestido
com hábitos de camponês brasileiro, com seu chapéu de couro, figura bastante
distinta à de Lampião e aos demais cangaceiros com seus trajes característicos.
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