Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Sáb 08 Jun 2024, 08:51

    A Noite Dissolve os Homens


    A Portinari


    a noite desceu. que noite!
    já não enxergo meus irmãos.
    e nem tampouco os rumores
    que outrora me perturbavam.
    a noite desceu. nas casas,
    nas ruas onde se combate,
    nos campos desfalecidos,
    a noite espalhou o medo
    e a total incompreensão.
    a noite caiu. tremenda,
    sem esperança. . . os suspiros
    acusam a presença negra
    que paralisa os guerreiros.
    e o amor não abre caminho
    na noite. a noite é mortal,
    completa, sem reticências,
    a noite dissolve os homens,
    diz que é inútil sofrer,
    a noite dissolve as pátrias,
    apagou os almirantes
    cintilantes! nas suas fardas.
    a noite anoiteceu tudo.
    o mundo não tem remédio. ..
    os suicidas tinham razão.
    aurora,
    entretanto eu te diviso, ainda tímida,
    inexperiente das luzes que vais acender
    e dos bens que repartirás com todos os homens.
    sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
    adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
    o triste mundo fascista se decompõe ao contacto de teus dedos,
    teus dedos frios, que ainda se não modelaram
    mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
    minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
    minha carne estremece na tua certeza de tua vinda
    o suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
    os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
    uma inocência, um perdão simples e macio. . .
    havemos de amanhecer. o mundo
    se tinge com as tintas da antemanhã
    e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
    para colorir tuas pálidas faces, aurora.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Dom 09 Jun 2024, 09:49

    MEMÓRIA

    Amar o perdido
    deixa confundido
    este coração.

    Nada pode o olvido
    contra o sem sentido
    apelo do Não.

    As coisas tangíveis
    tornam-se insensíveis
    à palma da mão

    Mas as coisas findas
    muito mais que lindas,
    essas ficarão.


    ***************

    MEMORIA

    Amar lo perdido
    deja confundido
    este corazón.

    Nada puede el olvido
    Contra el sin sentido
    llamado del No.

    Las cosas tangibles
    Se tornan insensibles
    A la palma de la mano

    Pero las cosas terminadas
    Mucho más que hermosas
    Esas quedarán


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    Mensaje por Maria Lua Mar 11 Jun 2024, 19:18

    Gastei uma hora pensando um verso
    que a pena não quer escrever.
    No entanto ele está cá dentro
    inquieto, vivo.
    Ele está cá dentro
    e não quer sair.
    Mas a poesia deste momento
    inunda minha vida inteira.



    Carlos Drummond de Andrade
    Alguma poesia. Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1930.


    *******************

    He gastado una hora pensando en un verso.
    que la pluma no quiere escribir.
    Sin embargo, él está aquí dentro
    inquieto, vivo.
    Él esta aquídentro
    y no quiere salir.
    Pero la poesía de este momento
    inunda mi vida entera.








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    Mensaje por Maria Lua Miér 12 Jun 2024, 20:06

    O PAPEL




    Tu te queixas...
    Distrais-te na queixa e a mágoa que exalas
    é perfume que te unge, flor que te acarinha.
    Dissolves-te na queixa, e tornado incenso, halo, paz
    te sentes bem feliz enquanto eu sem consolo
    espero tua brutalidade
    sem a qual não vivo nem sou.
    Teu escravo, isto sim, tua coisa calada,
    teu servo branco, tapete onde passeias e compões.
    Tu me fazes sofrer, bicho implacável mais que a onça
    o é para o galho que pisa.

    Por que não sou sem ti? Por que não existo, como as árvores,
    [por conta própria?
    Sou apenas papel, e teu misterioso poder
    me oprime e suja.
    E te revoltas...
    Quisera dizer-te nomes feios independente de tua mão.
    Que as palavras brotassem em mim, formigas no tronco,
    moscas no ar; viessem para fora em caracteres ásperos,
    crescessem, casas e exércitos, e te esmagassem.
    Homenzinho porco, vilão amarelo e cardíaco!
    (Avança para o burocrata, que se protege atrás da porta.)


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    Mensaje por Maria Lua Jue 13 Jun 2024, 19:17

    Não há tempo consumido
    nem tempo a economizar.
    O tempo é todo vestido
    de amor e tempo de amar.

    O meu tempo e o teu, amada,
    transcendem qualquer medida.
    Além do amor, não há nada,
    amar é o sumo da vida.



    ****************


    No hay tiempo consumido
    Tampoco tiempo para ahorrar.
    El tiempo está todo vestido.
    de amor y tiempo para amar.

    Mi tiempo y el tuyo, amada,
    trascenden a cualquier medida.
    Además del amor, no hay nada,
    amar es el zumo de la vida.


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    Mensaje por Pascual Lopez Sanchez Vie 14 Jun 2024, 00:57

    En mitad del camino había una piedra
    había una piedra en la mitad del camino
    había una piedra
    en la mitad del camino había una piedra.

    Nunca olvidaré la ocasión
    nunca tanto tiempo como mis ojos cansados permanezcan abiertos.

    Nunca olvidaré que en la mitad del camino
    había una piedra
    había una piedra en la mitad del camino
    en la mitad del camino había una piedra
    .

    Versión de Rafael Díaz Borbón


    S.C.


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    "LOS DEMÁS TAMBIÉN EXISTIMOS" 


    NETANYAHU ASESINO


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    Mensaje por Maria Lua Vie 14 Jun 2024, 18:44

    Verbo Ser

    Que vai ser quando crescer?
    Vivem perguntando em redor.
    Que é ser?
    É ter um corpo, um jeito, um nome?
    Tenho os três. E sou?
    Tenho de mudar quando crescer?
    Usar outro nome, corpo e jeito?
    Ou a gente só principia a ser quando cresce?
    É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
    Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
    Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
    Que vou ser quando crescer?
    Sou obrigado a? Posso escolher?
    Não dá para entender. Não vou ser.
    Vou crescer assim mesmo.
    Sem ser Esquecer.



    *************








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    Mensaje por Maria Lua Sáb 15 Jun 2024, 17:15

    DESFILE

    O rosto no travesseiro,
    escuto o tempo fluindo
    no mais completo silêncio.
    Como remédio entornado
    em camisa de doente;
    como na penugem
    de braço de namorada;
    como vento no cabelo,
    fluindo: fiquei mais moço.
    Já não tenho cicatriz.
    Vejo-me noutra cidade.
    Sem mar nem derivativo,
    o corpo era bem pequeno
    para tanta insubmissão.
    E tento fazer poesia,
    queimar casas, me esbaldar,



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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Jun 2024, 08:44

    Permanência



    Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

    Dia virá em que nenhum será lembrado.

    Então no mesmo esquecimento se fundirão.
    Mais uma vez a carne unida, e as bodas
    cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.

    Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
    (já começara, antes de ser), e somos eternos,
    frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
    E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
    selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
    ou nunca fomos, e contudo arde em nós
    à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.



    [Claro enigma]

    ********************



    Permanencia

    Ahora recuerdo uno, antes recordaba otro.

    Día vendrá en que ninguno será recordado.

    Entonces en el mismo olvido se fundirán.
    Una vez más la carne unida, y las bodas
    cumpliéndose en sí mismas, como ayer y siempre.

    Pues eterno es el amor que une y separa, y eterno
    el fin
    (ya comenzara , antes de ser), y somos eternos,
    frágiles, nebulosos, tartamudos, frustrados:
    eternos.

    Y el olvido todavía es memoria, y lagunas de
    sueño
    cierran en su negrura lo que amamos y fuimos
    un día,
    o nunca fuimos y que con todo arde en nosotros
    a la manera de la llama que duerme en la leña
    apilada en el galpón.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Jun 2024, 20:34

    Sentimento do mundo



    Tenho apenas duas mãos
    e o sentimento do mundo,
    mas estou cheio de escravos,
    minhas lembranças escorrem
    e o corpo transige
    na confluência do amor.

    Quando me levantar, o céu
    estará morto e saqueado,
    eu mesmo estarei morto,
    morto meu desejo, morto
    o pântano sem acordes.

    Os camaradas não disseram
    que havia uma guerra
    e era necessário
    trazer fogo e alimento.
    Sinto-me disperso,
    anterior a fronteiras,
    humildemente vos peço
    que me perdoeis.

    Quando os corpos passarem,
    eu ficarei sozinho
    desfiando a recordação
    do sineiro, da viúva e do microscopista
    que habitavam a barraca
    e não foram encontrados
    ao amanhecer

    esse amanhecer
    mais noite que a noite.




    [Sentimento do mundo]





    ***********************





    SENTIMIENTO DEL MUNDO

    Tengo tan sólo dos manos
    y el sentimiento del mundo.
    Pero estoy lleno de esclavos:
    mis recuerdos que escapan
    y lo que el cuerpo concilia
    en la confluencia del amor.

    Cuando me levante, el cielo
    estará muerto y saqueado,
    yo mismo estaré muerto,
    muerto mi deseo, muerto
    el pantano.

    Los camaradas no me dijeron
    que había guerra
    y era necesario
    traer fuego y alimento.

    Humildemente les pido me perdonen:
    me siento disperso.
    Anterior a las fronteras.

    Cuando los cuerpos pasen,
    yo quedaré solito
    deshilachando el recuerdo
    del campanillero, de la viuda, del microcopista
    que habitaban la barraca
    y no fueron encontrados
    al alba:
    alba más oscura que la noche.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Miér 19 Jun 2024, 08:53

    POEMA DA NECESSIDADE


    É preciso casar João,
    é preciso suportar Antônio,
    é preciso odiar Melquíades,
    é preciso substituir nós todos.

    É preciso salvar o país,
    é preciso crer em Deus,
    é preciso pagar as dívidas,
    é preciso comprar um rádio,
    é preciso esquecer fulana.

    É preciso estudar volapuque,
    é preciso estar sempre bêbedo,
    é preciso ler Baudelaire,
    é preciso colher as flores
    de que rezam velhos autores.

    É preciso viver com os homens,
    é preciso não assassiná-los,
    é preciso ter mãos pálidas
    e anunciar o FIM DO MUNDO.


    *****************



    POEMA DE LA NECESIDAD


    Es necesario que se case Juan
    es necesario soportar Antonio,
    es necesario odiar a Melquíades,
    es necesario reemplazarnos a todos.

    Es necesario salvar el país,
    es necesario creer en Dios,
    es necesario pagar las deudas,
    es necesario comprar una radio,
    es necesario olvidar a fulana.

    Es necesario estudiar volapuque,
    es necesario siempre estar borracho,
    es necesario leer a Baudelaire,
    es necesario recoger las flores
    de que rezan los autores antiguos.

    Es necesario vivir con los hombres,
    es necesario no asesinarlos,
    es necesario tener las manos pálidas
    y anunciar el FIN DEL MUNDO.


    _________________



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Jue 20 Jun 2024, 09:50

    O LUTADOR


    Lutar com palavras
    é a luta mais vã.
    Entanto lutamos
    mal rompe a manhã.
    São muitas, eu pouco.
    Algumas, tão fortes
    como o javali.
    Não me julgo louco.
    Se o fosse, teria
    poder de encantá-las.
    Mas lúcido e frio,
    apareço e tento
    apanhar algumas
    para meu sustento
    num dia de vida.
    Deixam-se enlaçar,
    tontas à carícia
    e súbito fogem
    e não há ameaça
    e nem há sevícia
    que as traga de novo
    ao centro da praça.
    Insisto, solerte.
    Busco persuadi-las.
    Ser-lhes-ei escravo
    de rara humildade.
    Guardarei sigilo
    de nosso comércio.
    Na voz, nenhum travo
    de zanga ou desgosto.
    Sem me ouvir deslizam,
    perpassam levíssimas
    e viram-me o rosto.
    Lutar com palavras
    parece sem fruto.
    Não têm carne e sangue…
    Entretanto, luto.
    Palavra, palavra
    (digo exasperado),
    se me desafias,
    aceito o combate.
    Quisera possuir-te
    neste descampado,
    sem roteiro de unha
    ou marca de dente
    nessa pele clara.
    Preferes o amor
    de uma posse impura
    e que venha o gozo
    da maior tortura.
    Luto corpo a corpo,
    luto todo o tempo,
    sem maior proveito
    que o da caça ao vento.
    Não encontro vestes,
    não seguro formas,
    é fluido inimigo
    que me dobra os músculos
    e ri-se das normas
    da boa peleja.
    Iludo-me às vezes,
    pressinto que a entrega
    se consumará.
    Já vejo palavras
    em coro submisso,
    esta me ofertando
    seu velho calor,
    aquela sua glória
    feita de mistério,
    outra seu desdém,
    outra seu ciúme,
    e um sapiente amor
    me ensina a fruir
    de cada palavra
    a essência captada,
    o sutil queixume.
    Mas ai! é o instante
    de entreabrir os olhos:
    entre beijo e boca,
    tudo se evapora.
    O ciclo do dia
    ora se conclui
    e o inútil duelo
    jamais se resolve.
    O teu rosto belo,
    ó palavra, esplende
    na curva da noite
    que toda me envolve.
    Tamanha paixão
    e nenhum pecúlio.
    Cerradas as portas,
    a luta prossegue
    nas ruas do sono.




    In Poesias (1942), in "Selecta em Prosa e Verso", ed. Record, Rio de Janeiro


    *****************



    EL LUCHADOR


    La lucha más vana
    es luchar con las palabras.
    Mientras tanto luchamos
    mal rompe el alba.
    Son muchas, yo solitario.
    Algunas, tan fuertes
    como el jabalí.
    No me juzgo loco.
    Si lo fuera, tendría
    el poder de encantarlas.
    Mas frío y lúcido,
    aparezco y quiero
    asir algunas
    para mi aumento
    en un día de vida.

    Se dejan enlazar,
    tontas a la caricia
    y de súbito huyen
    y no hay un mal presagio
    y no hay crueldad
    que las traiga de nuevo
    al centro de la plaza.
    Insisto, astuto
    Busco persuadirlas.
    Fingirme esclavo
    de rara humildad.

    Guardaré sigilo
    de nuestro comercio.
    En la voz, ningún amargor
    de aversión o disgusto.
    Sin oírme se deslizan,
    continúan levísimas
    y me vuelven el rostro.
    Luchar con las palabras
    parece sin fruto.
    No tienen carne ni sangre…
    Entretanto, lucho.
    Palabra, palabra
    (digo exasperado),
    si me desafías,
    acepto el combate.

    Quisiera poseerte
    en este descampado,
    sin seña de uña
    o marca de diente
    en esa piel clara.
    Prefieres el amor
    de una pose impía
    y que venga el gozo
    de la mayor tortura.
    Lucho cuerpo a cuerpo,
    lucho todo el tiempo,
    sin mayor provecho
    que el de la caza al viento

    No encuentro indumentaria
    ni formas seguras,
    es fluido enemigo
    que me dobla los músculos
    y se ríe de las normas
    de la buena pelea.
    Me eludo a veces,
    presiento que la entrega
    se consumará.
    Ya veo palabras
    en coro sumiso:
    ésta ofreciéndome
    su viejo calor,
    otra su gloria
    y su misterio,
    otra su desdén,
    otra sus celos;
    y un experto amor
    me enseña a disfrutar
    de cada palabra
    su esencia,
    el sutil gemido.

    Mas es ¡ay! el instante
    de entreabrir los ojos:
    entre beso y boca,
    todo se evapora.
    El ciclo del día
    ora se concluye
    y el inútil duelo
    jamás se resuelve.
    Tu bello rostro,
    oh palabra, resplandece
    en la curva de la noche
    que me envuelve.
    Tamaña pasión
    y ningún peculio.
    Cerradas las puertas,
    la lucha prosigue
    en las calles del sueño.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Vie 21 Jun 2024, 16:17

    A Flor e a Náusea


    Preso à minha classe e a algumas roupas,
    vou de branco pela rua cinzenta.
    Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
    Devo seguir até o enjôo?

    Posso, sem armas, revoltar-me?

    Olhos sujos no relógio da torre:
    Não, o tempo não chegou de completa justiça.
    O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
    O tempo pobre, o poeta pobre
    fundem-se no mesmo impasse.

    Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
    Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
    O sol consola os doentes e não os renova.
    As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

    Vomitar este tédio sobre a cidade.
    Quarenta anos e nenhum problema
    resolvido, sequer colocado.
    Nenhuma carta escrita nem recebida.
    Todos os homens voltam para casa.
    Estão menos livres mas levam jornais
    e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

    Crimes da terra, como perdoá-los?
    Tomei parte em muitos, outros escondi.
    Alguns achei belos, foram publicados.
    Crimes suaves, que ajudam a viver.
    Ração diária de erro, distribuída em casa.
    Os ferozes padeiros do mal.
    Os ferozes leiteiros do mal.

    Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
    Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
    Porém meu ódio é o melhor de mim.
    Com ele me salvo
    e dou a poucos uma esperança mínima.

    Uma flor nasceu na rua!
    Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
    Uma flor ainda desbotada
    ilude a polícia, rompe o asfalto.
    Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
    garanto que uma flor nasceu.

    Sua cor não se percebe.
    Suas pétalas não se abrem.
    Seu nome não está nos livros.
    É feia. Mas é realmente uma flor.

    Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
    e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
    Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
    Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
    É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.




    **********************




    LA FLOR Y LA NÁUSEA

    Pertenezco a mi clase y a algunas ropas,
    voy de blanco por las calles sucias.
    Melancolías, mercaderías me acechan.
    ¿Debo seguir hasta la náusea?
    ¿Puedo rebelarme sin armas?

    Ojos turbios en el reloj de la tarde:
    no, no ha llegado el tiempo de completa justicia.
    El tiempo aún es de heces, malos poemas,
    alucinaciones y espera.
    El tiempo pobre y el poeta pobre
    se funden en un mismo impasse.

    En vano intento explicarme. Los muros son sordos.
    Bajo la piel de las palabras hay cifras y códigos.
    El sol consuela a los enfermos y no los restablece.
    Las cosas. ¡Qué tristes son las cosas, consideradas sin
    énfasis!
    Vomitar este tedio sobre la ciudad.
    Cuarenta años y ningún problema
    resuelto, ni siquiera ubicado.
    Ninguna carta escrita ni recibida.
    Todos los hombres vuelven a casa.
    Son menos libres pero llevan periódicos
    y deletrean el mundo, sabiendo que lo pierden.
    Crímenes de la tierra, ¿cómo perdonarlos?
    Tomé parte en muchos y otros oculté.
    Algunos vi bellos, fueron publicados.
    Crímenes suaves que ayudan a vivir.
    Ración diaria de engaño distribuida en casa.
    Los feroces panaderos del mal.
    Los feroces lecheros del mal.
    Prender fuego a todo, incluso a mí.
    Al joven de 1918 lo llamaban anarquista.
    Sin embargo mi odio es lo mejor de mí.
    Con él me salvo:
    a casi nadie doy una esperanza mínima.
    ¡Una flor ha nacido en la calle!
    Pasan de largo, camiones, omnibuses, ríos de acero del
    tránsito.
    Una flor todavía descolorida
    elude a la policía: rompe el asfalto.
    ¡Guarden completo silencio, paralicen los negocios,
    aseguro que ha nacido una flor!

    Su color no se percibe.
    Sus pétalos no se abren.
    Su nombre no está en los libros.
    Es fea. Pero es realmente una flor.
    Me siento en el suelo de la capital del país a las cinco
    de la tarde
    y lentamente acaricio esta forma insegura.

    Del lado de las montañas, nubes espesas van
    agrandándose.
    Una lluvia menuda agita el mar como gallina espantada.
    Es fea. Pero es una flor. Ha roto el asfalto, el tedio, la
    náusea y el odio.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Sáb 22 Jun 2024, 16:58

    Canção amiga


    Eu preparo uma canção
    em que minha mãe se reconheça,
    todas as mães se reconheçam,
    e que fale como dois olhos.

    Caminho por uma rua
    que passa em muitos países.
    Se não me vêem, eu vejo
    e saúdo velhos amigos.

    Eu distribuo um segredo
    como quem ama ou sorri.
    No jeito mais natural
    dois carinhos se procuram.

    Minha vida, nossas vidas
    formam um só diamante.
    Aprendi novas palavras
    e tornei outras mais belas.

    Eu preparo uma canção
    que faça acordar os homens
    e adormecer as crianças.



    Canción amiga


    Yo preparo una canción
    en que mi madre se vea,
    todas las madres se encuentren
    y que hable como dos ojos.

    Camino por una calle
    que pasa muchos países.
    Y si no me ven, yo veo:
    saludo a viejos amigos.

    Yo distribuyo el secreto
    como quien ama o sonríe.
    Del modo más natural,
    dos cariños se desean
    .
    Mi vida, y nuestras vidas,
    forman un solo diamante.
    Aprendí nuevas palabras,
    y otras las hice más bellas.

    Yo preparo una canción
    que haga despertar los hombres
    y que adormezca a los niños.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Dom 23 Jun 2024, 14:40

    Necrológio dos desiludidos do amor



    Necrológio dos desiludidos do amor
    Os desiludidos do amor
    estão desfechando tiros no peito.
    Do meu quarto ouço a fuzilaria.
    As amadas torcem-se de gozo.
    Oh quanta matéria para os jornais.
    Desiludidos mas fotografados,
    escreveram cartas explicativas,
    tomaram todas as providências
    para o remorso das amadas.
    Pum pum pum adeus, enjoada.
    Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
    seja no claro céu ou turvo inferno.
    Os médicos estão fazendo a autópsia
    dos desiludidos que se mataram.
    Que grandes corações eles possuíam.
    Vísceras imensas, tripas sentimentais
    e um estômago cheio de poesia.
    Agora vamos para o cemitério
    levar os corpos dos desiludidos
    encaixotados competentemente
    (paixões de primeira e segunda classe).
    Os desiludidos seguem iludidos,
    sem coração, sem tripas, sem amor.
    Única fortuna, os seus dentes de ouro
    não servirão de lastro financeiro
    e cobertos de terra perderão o brilho
    enquanto as amadas dançarão um samba
    bravo, violento, sobre a tumba deles.




    *******************



    NECROLOGÍA DE LOS DESILUSIONADOS DEL AMOR



    Los desilusionados del amor
    están descargando tiros en el pecho.
    De mi cuarto oigo la fusilería.
    Las amadas se retuercen de gozo.
    Oh cuánto material para los periódicos.
    Desilusionados pero fotografiados,
    escribieron cartas explicativas,
    tomaron todas las providencias
    para el remordimiento de las amadas.
    Pum pum pum adiós, melindrosa.
    Yo me voy, tú te quedas, mas nos veremos
    en el claro cielo o en el turbio infierno.
    Los médicos están haciendo la autopsia
    de los desilusionados que se mataron.
    Qué grandes corazones tenían ellos.
    Vísceras inmensas, tripas sentimentales
    y un estómago lleno de poesía…
    Ahora vamos hacia el cementerio
    a llevar a los cuerpos de los desilusionados
    encajonados debidamente
    (pasiones de primera y de segunda clase).
    Los desilusionados siguen ilusos,
    sin corazón, sin tripas, sin amor.
    Única fortuna: sus dientes de oro
    no servirán de depósito financiero,
    y cubiertos de tierra perderán el brillo;
    en cuanto a las amadas, bailarán una samba
    brava, violenta, sobre sus tumbas.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Lun 24 Jun 2024, 20:37

    Permanência



    Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

    Dia virá em que nenhum será lembrado.

    Então no mesmo esquecimento se fundirão.
    Mais uma vez a carne unida, e as bodas
    cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.

    Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
    (já começara, antes de ser), e somos eternos,
    frágeis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos.
    E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
    selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
    ou nunca fomos, e contudo arde em nós
    à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.


    ******************************************


    Permanencia



    Ahora recuerdo uno, antes recordaba otro.

    Día vendrá en que ninguno será recordado.

    Entonces en el mismo olvido se fundirán.
    Una vez más la carne unida, y las bodas
    cumpliéndose en sí mismas, como ayer y siempre.

    Pues eterno es el amor que une y separa, y eterno
    el fin
    (ya comenzara , antes de ser), y somos eternos,
    frágiles, nebulosos, tartamudos, frustrados:
    eternos.

    Y el olvido todavía es memoria, y lagunas de
    sueño
    cierran en su negrura lo que amamos y fuimos
    un día,
    o nunca fuimos y que con todo arde en nosotros
    a la manera de la llama que duerme en la leña
    apilada en el galpón.


    _________________



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    CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Brasil, 31/10/ 1902 –  17/08/ 1987) - Página 29 Empty Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Brasil, 31/10/ 1902 – 17/08/ 1987)

    Mensaje por Maria Lua Mar 25 Jun 2024, 20:04

    Entre o Ser e as Coisas



    Onda e amor, onde amor, ando indagando
    ao largo vento e à rocha imperativa,
    e a tudo me arremesso, nesse quando
    amanhece frescor de coisa viva.

    As almas, não, as almas vão pairando,
    e, esquecendo a lição que já se esquiva
    tornam amor humor, e vago e brando
    o que é de natureza corrosiva.

    N’água e na pedra amor deixa gravados
    seus hieróglifos e mensagens, suas
    verdades mais secretas e mais nuas.

    E nem os elementos encantados
    sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
    uma fogueira a arder no dia findo.





    *****************



    Entre el ser y las cosas



    Al amor amor ando indagando
    al largo viento a la suave rosa
    y a todo me aventuro cuando
    hay la frescura de la cosa viva.

    Las almas no, ellas van soportando,
    olvidando la lección ya perdida.
    Vuelven amor, humor, vago y blando
    lo que es naturaleza corrosiva.

    En agua y piedra amor graba sus
    jeroglíficos y mensajes y sus
    verdades más secretas, más desnudas.

    Y ni los elementos encantados ,
    ven el amor que duele y provoca
    una hoguera en agotado día.



    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Miér 26 Jun 2024, 10:01

    FRAGILIDADE

    Este verso, apenas um arabesco
    em torno do elemento essencial - inatingível.
    Fogem nuvens de verão, passam ares, navios, ondas,
    e teu rosto é quase um espelho onde brinca o incerto movimento,
    ai! já brincou, e tudo se fez imóvel, quantidades e quantidades
    de sono se depositam sobre a terra esfacelada.

    Não mais o desejo de explicar, e múltiplas palavras em feixe
    subindo, e o espírito que escolhe, o olho que visita, a música
    feita de depurações e depurações, a delicada modelagem
    de um cristal de mil suspiros límpidos e frígidos: não mais
    que um arabesco, apenas um arabesco
    abraça as coisas, sem reduzi-las.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Jue 27 Jun 2024, 10:38

    PRIVILÉGIO DO MAR


    Neste terraço mediocremente confortável,
    bebemos cerveja e olhamos o mar.
    Sabemos que nada nos acontecerá.

    O edifício é sólido e o mundo também.

    Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
    labutando em mil compartimentos iguais.
    Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
    e vêm cá em cima respirar a brisa do oceano,
    o que é privilégio dos edifícios.

    O mundo é mesmo de cimento armado.

    Certamente, se houvesse um cruzador louco,
    fundeado na baía em frente da cidade,
    a vida seria incerta…improvável…
    Mas nas águas tranquilas só há marinheiros fiéis.
    Como a esquadra é cordial!

    Podemos beber honradamente nossa cerveja.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 28 Jun 2024, 13:10




    Elegia 1938


    Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
    onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
    Praticas laboriosamente os gestos universais,
    sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

    Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
    e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
    À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
    ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

    Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
    e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
    Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
    e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

    Caminhas entre mortos e com eles conversas
    sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
    A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
    Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

    Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
    e adiar para outro século a felicidade coletiva.
    Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
    porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.




    *****************


    Elegia 1938


    Trabajas sin alegría para un mundo caduco,
    donde las formas y las acciones no encierran ejemplo alguno.
    Practicas laboriosamente los gestos universales,
    sientes calor y frío, falta de dinero, hambre y deseo sexual.

    Los héroes llenan los parques de la ciudad en que te arrastras,
    y preconizan la virtud, la renuncia, la sangre fría, la concepción.
    Por las noches, si llovizna, abren paraguas de bronce
    o se recogen entre los volúmenes de siniestras bibliotecas.

    Amas la noche por el poder aniquilador que encierra
    y sabes que, dormido. los problemas te exoneran de morir.
    Pero el terrible despertar prueba la existencia de la Gran Máquina
    y te repone, diminuto, ante indescifrables palmeras.

    Caminas entre muertos y con ellos conversas
    sobre cosas del futuro y asuntos del espíritu.
    La literatura arruinó tus mejores horas de amor.
    Al teléfono perdiste mucho, muchísimo tiempo de sembrar.

    Corazón orgulloso, tienes prisa en confesar tu derrota
    y aplazar para otro siglo la felicidad colectiva.
    Aceptas la lluvia, la guerra, el desempleo y la distribución injusta
    porque no puedas, tú solo, dinamitar la isla de Manhattan.


    Del poemario «Sentimento do Mundo» (1940)
    Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) Brasil
    Traducción: Juan Martín.




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    Mensaje por Maria Lua Sáb 29 Jun 2024, 15:15

    Reconhecimento do Amor



    Amiga, como são desnorteantes
    os caminhos da amizade.
    Apareceste para ser o ombro suave
    onde se reclina a inquietação do forte
    (ou que forte se pensava ingenuamente).
    Trazias nos olhos pensativos
    a bruma da renúncia:
    não querias a vida plena,
    tinhas o prévio desencanto das uniões para toda a vida,
    não pedias nada,
    não reclamavas teu quinhão de luz.
    E deslizavas em ritmo gratuito de ciranda.

    Descansei em ti meu feixe de desencontros
    e de encontros funestos.
    Queria talvez — sem o perceber, juro —
    sadicamente massacrar-te
    sob o ferro de culpas e vacilações e angústias que doíam
    desde a hora do nascimento,
    senão desde o instante da concepção em certo mês perdido na História,
    ou mais longe, desde aquele momento intemporal
    em que os seres são apenas hipóteses não formuladas
    no caos universal.

    Como nos enganamos fugindo ao amor!
    Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
    sua espada coruscante, seu formidável
    poder de penetrar o sangue e nele imprimir
    uma orquídea de fogo e lágrimas.
    Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
    em doçura e celestes amavios.
    Não queimava, não siderava; sorria.
    Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
    Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
    que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
    ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro,
    o Outro que eu me supunha, o Outro que te imaginava,
    quando — por esperteza do amor — senti que éramos um só.

    Amiga, amada, amada amiga, assim o amor
    dissolve o mesquinho desejo de existir em face do mundo
    com olhar pervagante e larga ciência das coisas.
    Já não defrontamos o mundo: nele nos diluímos,
    e a pura essência em que nos transmutamos dispensa
    alegorias, circunstâncias, referências temporais,
    imaginações oníricas,
    o voo do Pássaro Azul, a aurora boreal,
    as chaves de ouro dos sonetos e dos castelos medievos,
    todas as imposturas da razão e da experiência,
    para existir em si e por si,
    à revelia de corpos amantes,
    pois já nem somos nós, somos o número perfeito:
    UM.

    Levou tempo, eu sei, para que o Eu renunciasse
    à vacuidade de persistir, fixo e solar,
    e se confessasse jubilosamente vencido,
    até respirar o júbilo maior da integração.
    Agora, amada minha para sempre,
    nem olhar temos de ver nem ouvidos de captar
    a melodia, a paisagem, a transparência da vida,
    perdidos que estamos na concha ultramarina de amar.



    *******************



    Procura de la poesía

    No hagas versos sobre acontecimientos.
    No hay creación ni muerte ante la poesía.
    Frente a ella la vida es un solo estático,
    no calienta ni ilumina.
    Las afinidades, los aniversarios, los incidentes personales no cuentan.
    No hagas poesía con el cuerpo,
    ese excelente, completo y confortable cuerpo, tan enemigo de la efusión lírica.
    Tu gota de bilis, tu máscara de gozo o de dolor en lo oscuro son indiferentes.
    Ni me reveles tus sentimientos,
    que se prevalecen del equívoco y tientan el largo viaje.
    Lo que piensas o sientes, eso aún no es poesía.

    No cantes a tu ciudad, déjala en paz.
    El canto no es el movimiento de las máquinas ni el secreto de las casas.
    No es la música oída de paso; rumor del mar en las calles junto a la línea de espuma.
    El canto no es la naturaleza
    ni los hombres en sociedad.
    Para él, lluvia y noche, fatiga y esperanza, nada significan.
    La poesía (no extraigas poesía de las cosas)
    elude sujeto y objeto.

    No dramatices, no invoques,
    no indagues. No pierdas tiempo en mentir.
    No te aborrezcas.
    Tu yate de marfil, tu zapato de diamante,
    vuestras mazurcas y supersticiones, vuestros esqueletos de familia,
    desaparecen en la curva del tiempo, son inservibles.

    No recompongas
    tu sepultada y melancólica infancia.
    No osciles entre el espejo y la
    memoria en disipación.
    Que se disipó, no era poesía.
    Que se partió, cristal no era.

    Penetra sordamente en el reino de las palabras.
    Allá están los poemas que esperan ser escritos.
    Están paralizados, mas no hay desesperación,
    hay calma y frescura en la superficie intacta.
    Helos allí solos y mudos, en estado de diccionario.
    Convive con tus poemas, antes de escribirlos.
    Ten paciencia, si oscuros. Calma, si te provocan.

    Espera que cada uno se realice y consuma
    con su poder de palabra
    y su poder de silencio.
    No fuerces al poema a desprenderse del limbo.
    No recojas en el suelo el poema que se perdió.
    No adules al poema. Acéptalo
    como él aceptará su forma definitiva y concretada
    en el espacio.

    Acércate y contempla las palabras.
    Cada una
    tiene mil fases secretas sobre la neutra faz
    y te pregunta, sin interés por la respuesta,
    pobre o terrible, que le des:
    ¿Trajiste la llave?

    Repara:
    yermas de melodía y de concepto,
    ellas se refugian en la noche, las palabras.
    Aún húmedas e impregnadas de sueño
    rolan en un río difícil y se transforman en desprecio.




    Versión de Manuel Graña Etcheverry


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    Mensaje por Maria Lua Dom 30 Jun 2024, 14:13

    Poema de purificación

    Después de tantos combates
    el ángel bueno mató al ángel malo
    y arrojó su cuerpo al río.
    Las aguas estaban manchadas
    de una sangre que no cedía
    y todos los peces murieron.
    Pero una luz que nadie supo
    decir de dónde venía
    apareció para aclarar el mundo,
    y otro ángel pensó en la herida
    del ángel batallador.



    Poema da Purificação

    Depois de tantos combates
    o anjo bom matou o anjo mau
    e jogou seu corpo no rio.
    As águas ficaram tintas
    de um sangue que não descorava
    e os peixes todos morreram.
    Mas uma luz que ninguém soube
    dizer de onde tinha vindo
    apareceu para clarear o mundo,
    e outro anjo pensou a ferida
    do anjo batalhador.




    *******************

    Ausencia

    Por mucho tiempo pensé que la ausencia era falta.
    Y lamentaba, ignorante, la falta.
    Hoy no la lamento.
    No hay falta en la ausencia.
    La ausencia es un estar en mí.
    Y la siento, blanca, tan apretada, acurrucada en mis brazos,
    que me río y bailo e invento alegres exclamaciones,
    porque la ausencia, esa ausencia asimilada,
    ya nadie me la roba.



    Ausência

    Por muito tempo achei que a ausência é falta.
    E lastimava, ignorante, a falta.
    Hoje não a lastimo.
    Não há falta na ausência.
    A ausência é um estar em mim.
    E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
    que rio e danço e invento exclamações alegres,
    porque a ausência, essa ausência assimilada,
    ninguém a rouba mais de mim.




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    Mensaje por Maria Lua Mar 02 Jul 2024, 14:36

    Nota social


    O poeta chega na estação.
    O poeta desembarca.
    O poeta toma um auto.
    O poeta vai para o hotel.
    E enquanto ele faz isso
    como qualquer homem da terra,
    uma ovação o persegue
    feito vaia.
    Bandeirolas
    abrem alas.
    Bandas de música. Foguetes.
    Discursos. Povo de chapéu de palha.
    Máquinas fotográficas assestadas.
    Automóveis imóveis.
    Bravos...
    O poeta está melancólico.

    Numa árvore do passeio público
    (melhoramento da atual administração)
    árvore gorda, prisioneira
    de anúncios coloridos,
    árvore banal, árvore que ninguém vê
    canta uma cigarra.
    Canta uma cigarra que ninguém ouve
    um hino que ninguém aplaude.
    Canta, no sol danado.

    O poeta entra no elevador
    o poeta sobe
    o poeta fecha-se no quarto.
    O poeta está melancólico.


    ***************


    “Nota Social”


    El poeta llega a la estación.
    El poeta desciende.
    El poeta toma un auto.
    El poeta va para el hotel.
    Y mientras hace eso
    como cualquier hombre de la tierra,
    una ovación lo persigue
    hecha algarabía.
    Banderolas
    que despliegan sus alas.
    Bandas de música. Cohetes.
    Discursos. Gente con sombreros de paja.
    Cámaras fotográficas disparadas.
    Automóviles inmóviles.
    Bravos…
    El poeta está melancólico.

    En un árbol del paseo público
    (gestión de la actual administración)
    árbol grueso, prisionero
    de anuncios en colores,
    árbol banal, árbol que nadie ve,
    canta una cigarra.
    Canta una cigarra que nadie oye
    un himno que nadie aplaude.
    Canta, bajo un sol terrible.

    El poeta entra en el elevador
    el poeta sube
    el poeta se encierra en su cuarto.
    El poeta está melancólico.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Miér 03 Jul 2024, 17:42


    MÚSICA


    UMA COISA triste no fundo da sala.
    Me disseram que era Chopin.
    A mulher de braços redondos que nem coxas
    Martelava na dentadura dura
    Sob o lustre complacente.
    Eu considerei as contas que era preciso pagar,
    Os passos que era preciso dar,
    As dificuldades...
    Enquadrei o Chopin na minha tristeza
    E na dentadura amarela e preta
    Meus cuidados voaram como borboletas.


    *************


    Música

    Una cosa triste en el fondo de la sala.
    Me dijeron que era Chopin.
    La mujer de brazos redondos que no muslos
    martillaba en la dentadura dura
    bajo el lustre complaciente.
    Yo consideré las cuentas que era preciso pagar;
    los pasos que era preciso dar;
    las dificultades...
    Encuadré a Chopin en mi tristeza
    y en la dentadura amarilla y negra
    mis cuidados volaron como mariposas.



    (De Alguna poesía; 1930)



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    Mensaje por Maria Lua Jue 04 Jul 2024, 16:00

    Não se mate


    Carlos, sossegue, o amor
    é isso que você está vendo:
    hoje beija, amanhã não beija,
    depois de amanhã é domingo
    e segunda-feira ninguém sabe
    o que será.

    Inútil você resistir
    ou mesmo suicidar-se.
    Não se mate, oh não se mate,
    reserve-se todo para
    as bodas que ninguém sabe
    quando virão,
    se é que virão.

    O amor, Carlos, você telúrico,
    a noite passou em você,
    e os recalques se sublimando,
    lá dentro um barulho inefável,
    rezas,
    vitrolas,
    santos que se persignam, .
    anúncios do melhor sabão,
    barulho que ninguém sabe
    de quê, praquê.

    Entretanto você caminha
    melancólico e vertical.
    Você é a palmeira, você é o grito
    que ninguém ouviu no teatro
    e as luzes todas se apagam.
    O amor no escuro, não, no claro,
    é sempre triste, meu filho, Carlos,
    mas não diga nada a ninguém,
    ninguém sabe nem saberá.



    ANDRADE, Carlos Drummond de. “Brejo das almas”. In:_____. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002



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    Mensaje por Maria Lua Vie 05 Jul 2024, 20:06

    O que fizeram do Natal


    Natal.
    O sino longe toca fino,
    Não tem neves, não tem gelos.
    Natal.
    Já nasceu o deus menino.
    As beatas foram ver,
    encontraram o coitadinho
    ( Natal)
    mais o boi mais o burrinho
    e lá em cima
    a estrelinha alumiando.
    Natal.


    As beatas ajoelharam
    e adoraram o deus nuzinho
    mas as filhas das beatas
    e os namorados das filhas,
    mas as filhas das beatas
    foram dançar black-bottom
    nos clubes sem presépio.




    Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 06 Jul 2024, 18:46

    POR MUITO TEMPO ACHEI QUE A AUSÊNCIA É FALTA




    Por muito tempo achei que a ausência é falta.
    E lastimava, ignorante, a falta.
    Hoje não a lastimo.
    Não há falta na ausência.
    A ausência é um estar em mim.
    E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
    que rio e danço e invento exclamações alegres,
    porque a ausência, essa ausência assimilada,
    ninguém a rouba mais de mim.








    *********************************








    Durante mucho tiempo pensé que la ausencia era una falta.




    Durante mucho tiempo pensé que la ausencia era una falta.
    Y me compadecia, ignorantemente, de la falta.
    Hoy no lamento.
    No hay falta en la ausencia.
    La ausencia es un estar en mí.
    Y la siento, blanca, tan atrapada, acurrucada en mis brazos
    Me río y bailo y hago exclamaciones alegres,
    porque la ausencia, esta ausencia asimilada,
    ya nadie me la roba.


    _________________



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Mar 09 Jul 2024, 09:58

    VERBO SER

    ¿Qué serás cuando crezcas? Viven preguntando en derredor. ¿Qué es ser? ¿Es tener un cuerpo, una vocación, un nombre? Tengo los tres. ¿Y soy? ¿Tengo que cambiar para crecer? ¿Usar otro nombre, cuerpo y vocación? ¿O la gente sólo empieza a ser cuando crece? ¿Es terrible, ser? ¿Duele? ¿Es bueno? ¿Es triste? ¿Ser: se pronuncia tan de prisa, y entran tantas cosas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. ¿Qué quiero ser cuando crezca? ¿Estoy obligado a? ¿Puedo escoger? No basta con entender. No voy a ser. No quiero ser. Voy a crecer así mismo. Sin ser. Olvidar.





    VERBO SER

    Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas! Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.



    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Miér 10 Jul 2024, 23:01

    MORRO DA BABILÔNIA



    À noite, do morro
    descem vozes que criam o terror
    (terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
    e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral).

    Quando houve revolução, os soldados se espalharamno morro,
    o quartel pegou fogo, eles não voltaram.
    Alguns, chumbados, morreram.
    Omorro ficou mais encantado
    .
    Mas as vozes do morro
    não são propriamente lúgubres.
    Há mesmo umcavaquinho bemafinado
    que domina os ruídos da pedra e da folhagem
    e desce até nós, modesto e recreativo,
    como uma gentileza do morro.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Sáb 13 Jul 2024, 17:01

    HISTÓRIA, CORAÇÃO, LINGUAGEM



    Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


    Dos heróis que cantaste, que restou
    senão a melodia do teu canto?
    As armas em ferrugem se desfazem,
    os barões nos jazigos dizem nada.
    É teu verso, teu rude e teu suave
    balanço de consoantes e vogais,
    teu ritmo de oceano sofreado
    que os lembra ainda e sempre lembrará.
    Tu és a história que narraste, não
    o simples narrador. Ela persiste
    mais em teu poema que no tempo neutro,
    universal sepulcro da memória.
    Bardo, tu foste os deuses mais as ninfas,
    as ondas em furor, céus em delírio,
    astúcias, pragas, guerras e cobiças,
    lodoso material fundido em ouro.
    Multissexual germinador de assombros,
    na folha branca vieste demonstrando
    o que ao homem, na luta contra o fado,
    cabe tentar, cabe vencer, perder,
    e nisto se resume a irresumível
    humana condição no eterno jogo
    sem sentido maior que o de jogar.
    E quando de altos feitos te entedias
    e voltas ao comum sofrer pedestre
    do desamado, não te vejo a ti
    perdido de saudades e desdéns.
    Luís, homem estranho, pelo verbo
    és, mais que amador, o próprio amor
    latejante, esquecido, revoltado,
    submisso, renascendo, reflorindo
    em cem mil corações multiplicado.
    És a linguagem. Dor particular
    deixa de existir para fazer-se
    dor de todos os homens, musical,
    na voz de órfico acento, peregrina.
    Que pássaro lascivo se intercala
    no queixume subtil de tua estrofe
    e não se sabe mais se é dor, delícia,
    espinho, afago, morte, renascença?
    Volúpia de gemer, e do gemido
    destilar a canção consoladora
    a quantos de consolo careciam
    e jamais a fariam por si mesmos?
    (Amaldiçoado dia de nascer
    que em bênçãos para nós se converteu.)
    Já tenho uma palavra pré-escrita
    que tudo exprime quanto em mim se turva.
    Pelos antigos e pelos vindouros,
    foste discurso de geral amor.
    Camões – oh som de vida ressoando
    em cada tua sílaba fremente
    de amor e guerra e sonho entrelaçados...


    ANDRADE, Carlos Drummond de. A paixão medida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p.89-91




    *********************



    Un son de vida resonando



    De los héroes que cantaste, ¿qué quedó sino la melodía de tu canto?
    Las armas en herrumbre se deshacen, los barones en la sepultura dicen nada.
    Y tu verso, tu rudo y tu suave balance de consonantes y vocales,
    tu ritmo de océano sufriendo que los recordará aún y siempre recordará.
    Tú eres la historia que narraste, no el simple narrador.
    Ella persiste más en tu poema que el tiempo neutro,
    universal sepulcro de la memoria.
    Bardo, fuiste de los dioses más que de las ninfas, las ondas en furor,
    cielos en delirio, astucias, plagas, guerras y codicias,
    lodoso material fundido en oro.
    Multisexual germinador de asombros, en la hoja blanca
    viniste demostrando lo que a los hombres,
    en la lucha contra el destino, cabe tentar, cabe vencer,
    perder, y en esto se resume la irresumible condición
    humana en el eterno juego sin sentido mayor que el de jugar.
    Y cuando de altos hechos te entendías y volvías al común
    sufrir pedestre del desamado, no te veo
    a ti perdido de nostalgias y desdenes.
    Luis, hombre extraño, que por el verbo es, más
    que un amador del propio amor palpitante, olvidado,
    revoltoso, sumiso, renaciente, refloreciendo
    en cien mil corazones multiplicado.
    Es el lenguaje. Dolor particular que deja existir
    para hacerse dolor de todos los hombres, musical,
    en la voz de órfico acento, peregrina.
    ¿Qué pájaro lascivo se intercala en la quejumbre
    sutil de tu estrofa y no sabe más si es dolor,
    delicia y espina, halago, y muerte, renacimiento?
    ¿Voluptuosidad y gemir, y del gemido destilar
    la canción consoladora a cuantos de consuelo carecían
    y jamás la harían por sí mismos?
    (¡Maldito día de nacer que en bendiciones para
    nosotros se convirtió!)
    Ya tengo una palabra preescrita que todo
    expresa cuanto en mí se turba.
    Por los antiguos y por los venideros, fuiste discurso
    de general amor.
    Camões —¡oh son de vida resonando en cada
    sílaba tuya trémula de amor y guerra
    y sueño entrelazados!



    (De La rosa del pueblo; 1941)


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