Um dia, Madame de Sevigné sentenciou: “O café passará, como Racine.”
Ah, que poder de síntese, minha cara Madame! Como foi que a senhora
conseguiu dizer duas barbaridades numa única frase?
Poder de síntese, esse o tinha, de fato, Racine, quando, para darmos apenas
um exemplo, conseguiu expressar a paixão, a crueldade, a complexidade do
caráter de Nero num só verso de doze sílabas: “J’aimais jusqu’à ses pleurs, que je
faisais couler!” (Eu amava até as suas lágrimas, que eu fazia correrem!)
Sim, porque o verdadeiro sádico ama verdadeiramente a quem faz sofrer.
Que o digam esses pretensos casais desunidos, que jamais conseguem separarse. Só os sádicos? — pergunto eu. Recordemos aquelas palavras de Oscar Wilde,
na Balada do cárcere: “A gente sempre mata aquilo que ama; os fortes com um
punhal, os covardes com um sorriso.”
Aliás, o Nero do alexandrino raciniano já tinha decretado a morte da sua
amada, cujas lágrimas agora tanto o enterneciam.
Haverá os santos do inferno? Nero deverá ter sido um deles...
Porque na verdade é idêntico o nosso pasmo, quase incrédulo, tanto ante a
vida de Nero como ante a vida de São Francisco de Assis. Porque os extremos
sempre se tocaram. Porque os Santos — no seu prodigioso arrebatamento — são
uma espécie de celerados do Bem.
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