Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Miér 12 Ago 2020, 05:57

    Quem pode livre ser, gentil Senhora,

    Quem pode livre ser, gentil Senhora,
    Vendo-vos com juízo sossegado,
    Se o Menino que de olhos é privado
    Nas meninas de vossos olhos mora?

    Ali manda, ali reina, ali namora,
    Ali vive das gentes venerado;
    Que o vivo lume e o rosto delicado
    Imagens são nas quais o Amor se adora.

    Quem vê que em branca neve nascem rosas
    Que fios crespos de ouro vão cercando,
    Se por entre esta luz a vista passa,

    Raios de ouro verá, que as duvidosas
    Almas estão no peito trespassando
    Assim como um cristal o Sol trespassa.

    Luís de Camões


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    Mensaje por Maria Lua Miér 12 Ago 2020, 13:30

    O dia em que nasci moura e pereça,

    O dia em que nasci moura e pereça,
    Não o queira jamais o tempo dar;
    Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
    Eclipse nesse passo o Sol padeça.

    A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
    Mostre o Mundo sinais de se acabar,
    Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
    A mãe ao próprio filho não conheça.

    As pessoas pasmadas, de ignorantes,
    As lágrimas no rosto, a cor perdida,
    Cuidem que o mundo já se destruiu.

    Ó gente temerosa, não te espantes,
    Que este dia deitou ao Mundo a vida
    Mais desgraçada que jamais se viu!

    Luís de Camões


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    Mensaje por Maria Lua Lun 17 Ago 2020, 13:46

    Verdes são os campos




    Verdes são os campos,
    De cor de limão:
    Assim são os olhos
    Do meu coração.


    Campo, que te estendes
    Com verdura bela;
    Ovelhas, que nela
    Vosso pasto tendes,
    De ervas vos mantendes
    Que traz o Verão,
    E eu das lembranças
    Do meu coração.


    Gados que pasceis
    Com contentamento,
    Vosso mantimento
    Não no entendereis;
    Isso que comeis
    Não são ervas, não:
    São graças dos olhos
    Do meu coração.


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    Mensaje por Maria Lua Mar 18 Ago 2020, 07:49

    Descalça vai para a fonte




    Descalça vai para a fonte
    Lianor pela verdura;
    Vai fermosa, e não segura.


    Leva na cabeça o pote,
    O testo nas mãos de prata,
    Cinta de fina escarlata,
    Sainho de chamelote;
    Traz a vasquinha de cote,
    Mais branca que a neve pura.
    Vai fermosa e não segura.


    Descobre a touca a garganta,
    Cabelos de ouro entrançado
    Fita de cor de encarnado,
    Tão linda que o mundo espanta.
    Chove nela graça tanta,
    Que dá graça à fermosura.
    Vai fermosa e não segura.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 22 Ago 2020, 08:52

    Quando de minhas mágoas a comprida

    Quando de minhas mágoas a comprida
    Maginação os olhos me adormece,
    Em sonhos aquela alma me aparece
    Que pera mim foi sonho nesta vida.

    Lá nu~a saudade, onde estendida
    A vista pelo campo desfalece,
    Corro pera ela; e ela então parece
    Que mais de mim se alonga, compelida.

    Brado: -- Não me fujais, sombra benina! --
    Ela, os olhos em mim c'um brando pejo,
    Como quem diz que já não pode ser,

    Torna a fugir-me; e eu gritando: -- Dina...
    Antes que diga: -- mene, acordo, e vejo
    Que nem um breve engano posso ter.

    Luís de Camões


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    Mensaje por Maria Lua Mar 25 Ago 2020, 05:06


    Tão suave, tão fresca e tão fermosa



    Tão suave, tão fresca e tão fermosa,
    nunca no Céu saiu
    a Aurora no princípio do Verão,
    as flores dando a graça costumada,
    como a fermosa, mansa fera, quando
    um pensamento vivo m'inspirou,
    por quem me desconheço.

    Bonina pudibunda ou fresca rosa
    nunca no campo abriu,
    quando os raios do Sol no Touro estão,
    de cores diferentes esmaltada,
    como esta flor que, os olhos inclinando,
    o sofrimento triste costumou
    à pena que padeço.

    Ligeira, bela Ninfa, linda, irosa,
    não creio que seguiu
    Sátiro, cujo brando coração
    de amores comovesse fera irada,
    que assi fosse fugindo e desprezando
    este tormento, onde Amor mostrou
    tão próspero começo.

    Nunca, enfim, cousa bela e rigorosa
    Natura produziu
    que iguale àquela forma e condição,
    que as dores em que vivo estima em nada.
    Mas com tão doce gesto, irado e brando,
    o sentimento e a vida me enlevou
    que a pena lhe agradeço.

    Bem cuidei de exaltar em verso ou prosa
    aquilo que a alma viu
    antre a doce dureza e mansidão,
    primores de beleza desusada:
    mas, quando quis voar ao Céu, cantando,
    entendimento e engenho me cegou
    luz de tão alto preço.

    Naquela alta pureza deleitosa
    que ao mundo se encobriu
    e nos olhos angélicos, que são
    senhores desta vida destinada,
    e naqueles cabelos que, soltando
    ao manso vento, a vida me enredou,
    me alegro e entristeço.

    Saudades e suspeita perigosa,
    que Amor constituiu
    por castigo daqueles que se vão;
    temores, penas d'alma desprezada,
    fera esquivança, que me vai tirando
    o mantimento que me sustentou,
    a tudo me ofereço.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 28 Ago 2020, 17:18

    Nunca manhã suave



    Nunca manhã suave,
    estendendo seus raios pelo mundo,
    despois de noite grave,
    tempestuosa, negra, em mar profundo,
    alegrou tanta nau, que já no fundo,
    se viu em mares grossos,
    como a luz clara a mim dos olhos vossos.

    Aquela fermosura
    que só no virar deles resplandece,
    com que a sombra escura
    clara se faz, e o campo reverdece,
    quando meu pensamento s'entristece,
    ela e sua viveza
    me desfazem a nuvem da tristeza.

    O meu peito, onde estais,
    e, para tanto bem, pequeno vaso;
    quando acaso virais
    os olhos, que de mim não fazem caso,
    todo, gentil Senhora, então me abraso
    na luz que me consume
    bem como a borboleta faz no lume.

    Se mil almas tivera
    que a tão fermosos olhos entregara,
    todas quantas tivera
    polas pestanas deles pendurara;
    e, enlevadas na vista pura e clara,
    - posto que disso indinas – ,
    se andaram sempre vendo nas mininas.

    E vós, que descuidada
    agora vivereis de tais querelas,
    de almas minhas cercada
    não pudésseis tirar os olhos delas;
    não pode ser que, vendo a vossa antre elas,
    a dor que lhe mostrassem,
    tantas üa alma só não abrandassem.

    Mas pois o peito ardente
    üa só pode ter, fermosa Dama,
    basta que esta somente,
    como se fossem duas mil, vos ama,
    para que a dor de sua ardente flama
    convosco tanto possa
    que não queirais ver cinza üa alma vossa.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 29 Ago 2020, 04:48

    Pode um desejo imenso



    Pode um desejo imenso
    arder no peito tanto
    que à branda e a viva alma o fogo intenso
    lhe gaste as nódoas do terreno manto,
    e purifique em tanta alteza o esprito
    com olhos imortais
    que faz que leia mais do que vê escrito.

    Que a flama que se acende
    alto tanto alumia
    que, se o nobre desejo ao bem se estende
    que nunca viu, a sente claro dia;
    e lá vê do que busca o natural,
    a graça, a viva cor,
    noutra espécie milhor que a corporal.

    Pois vós, ó claro exemplo
    de viva fermosura,
    que de tão longe cá noto e contemplo
    n'alma, que este desejo sobe e apura:
    não creais que não vejo aquela imagem
    que as gentes nunca vêem,
    se de humanos não têm muita ventagem.

    Que, se os olhos ausentes
    não vêem a compassada
    proporção, que das cores excelentes
    de pureza e vergonha é variada;
    da qual a Poesia, que cantou
    até aqui só pinturas,
    com mortais fermosuras igualou;

    se não vêem os cabelos
    que o vulgo chama de ouro,
    e se não vêem os claros olhos belos,
    de quem cantam que são do Sol tesouro,
    e se não vêem do rosto as excelências,
    a quem dirão que deve
    rosa, cristal e neve as aparências;

    vêem logo a graça pura,
    a luz alta e severa,
    que é raio da divina fermosura
    que n'alma imprime e fora reverbera,
    assi como cristal do Sol ferido,
    que por fora derrama
    a recebida flama, esclarecido.

    E vêem a gravidade
    com a viva alegria,
    que misturada tem, de qualidade
    que üa da outra nunca se desvia;
    nem deixa üa de ser arreceada
    por leda e por suave,
    nem outra, por ser grave, muito amada.

    E vêem do honesto siso
    os altos resplandores,
    temperados co doce e ledo riso,
    a cujo abrir abrem no campo as flores;
    as palavras discretas e suaves,
    das quais o movimento
    fará deter o vento e as altas aves;

    dos olhos o virar,
    que torna tudo raso,
    do qual não sabe o engenho divisar
    se foi por artifício, ou feito acaso;
    da presença os meneios e a postura,
    o andar e o mover-se,
    donde pode aprender-se fermosura.

    Aquele não sei que,
    que aspira não sei como,
    que, invisível saindo, a vista o vê,
    mas para o compreender não acha tomo;
    o qual toda a Toscana poesia,
    que mais Febo restaura,
    em Beatriz nem em Laura nunca via;

    em vos a nossa idade,
    Senhora, o pode ver,
    se engenho e ciência e habilidade
    igual a fermosura vossa der,
    como eu vi no meu longo apartamento,
    qual em ausência a vejo.
    Tais asas dá o desejo ao pensamento!

    Pois se o desejo afina
    üa alma acesa tanto
    que por vós use as partes da divina,
    por vós levantarei não visto canto
    que o Bétis me ouça, e o Tibre me levante;
    que o nosso claro Tejo
    envolto um pouco vejo e dissonante.

    O campo não o esmaltam
    flores, mas só abrolhos
    o fazem feio; e cuido que lhe faltam
    ouvidos para mim, para vós olhos.
    Mas faça o que quiser o vil costume;
    que o sol, que em vós está,
    na escuridão dará mais claro lume.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 29 Ago 2020, 10:42

    Detém um pouco, Musa, o largo pranto



    Detém um pouco, Musa, o largo pranto
    que Amor te abre do peito;
    e, vestida de rico e ledo manto,
    dêmos honra e respeito
    àquela cujo objeito
    todo o mundo alumia
    e, quando escuro está, é mais que o dia.

    Ó Délia, que, apesar da névoa grossa,
    cos teus raios de prata
    a escura noite fazes que não possa
    encontrar o que trata,
    e o que n'alma retrata
    Amor por teu divino
    rosto, por que endoudeço e desatino;

    tu, que de fermosíssimas estrelas
    coroas e rodeias
    teus cabelos d'argento e faces belas,
    e os campos fermoseias
    coas rosas que semeias,
    coas boninas que gera
    o teu celeste amor na Primavera;

    pois, Délia, dos teus céus vendo estás quantos
    furtos de puridades,
    suspiros, mágoas, ais, músicas, prantos,
    as amantes vontades
    - üas por saudades,
    outras por crus indícios -
    fazem das próprias vidas sacrifícios

    Vejo teu Endimião por estes montes,
    suspenso o Céu olhando,
    e o teu nome, cos olhos feitos fontes,
    embalde e em vão chamando,
    pedindo e suspirando
    mercês à tua beldade,
    sem em ti achar üa hora de piadade.

    Por ti feito pastor de branco armento,
    nas selvas solitárias
    acompanhado só do pensamento,
    conversa as alimárias,
    de todo amor contrárias,
    mas não como ti duras,
    onde lamenta e chora desventuras.

    Por ti guarda o sítio fresco de Ílio
    suas sombras fermosas;
    para ti, Erimanto e o lindo Epílio
    as mais purpúreas rosas;
    e as drogas cheirosas
    deste nosso Oriente
    também Arábia Félix eminente.

    De que pantera, tigre, leopardo
    as ásperas entranhas
    não temeram o agudo e fero dardo,
    quando pelas montanhas
    mui remotas e estranhas
    ligeira atravessavas,
    tão fermosa que Amor de amor matavas?

    Das castas virgens sempre os altos gritos,
    clara Lucina, ouviste,
    renovando-lhe a força e os espritos;
    mas os daquele triste
    já nunca consentiste
    ouvi-los um momento,
    para ser menos grave seu tormento.

    Não fujas de mim assi, nem assi te escondas
    dum tão fiel amante!
    Olha como suspiram estas ondas,
    e como o velho Atlante
    o seu colo arrogante
    move piadosamente,
    ouvindo a minha voz fraca e doente.

    Triste de mim, que o pior é queixar-me,
    pois minhas queixas digo
    a quem já ergue a mão para matar-me,
    como a cruel imigo;
    mas eu meu fado sigo,
    que a isto me destina,
    e isto só pretendo e só me ensina.

    Quantos dias há que o Céu me desengana,
    e sempre porfio
    cada vez mais na minha teima insana!
    Tendo livre alvedrio,
    não fujo o desvario;
    e este, que em mi vejo,
    para esperança minha e meu desejo.

    Oh! quanto milhor fora que dormissem
    um sono perenal
    estes meus olhos tristes, e não vissem
    a causa de seu mal
    fugir, a tempo tal,
    mais que dantes, por tema,
    mais cruel Que ussa fera, mais que ema.

    Ai de mim, que me abraso em fogo vivo,
    com mil mortes ao lado,
    e, quando mouro mais, então mais vivo!
    Porque assi me há ordenado
    meu infelice estado
    que, quando me convida
    a morte, para a morte tenha vida.

    Minha secreta amiga, mansa noute,
    estas rosas – porquanto
    ouviste meus queixumes – ora dou-te
    este fresco adianto,
    húmido inda do pranto
    e lágrimas da esposa
    do cioso Titão, branca e fermosa.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Dom 30 Ago 2020, 09:07


    Fermosa fera humana



    Fermosa fera humana,
    em cujo coração soberbo e rudo
    a força soberana
    do vingativo Amor, que vence tudo,
    as pontas amoladas
    de quantas setas tinha, tem quebradas;

    amada Circe minha
    - posto que minha não, contudo amada – ,
    a quem um bem que tinha
    da doce liberdade desejada
    pouco a pouco entreguei,
    e, se mais tenho, inda entregarei:

    pois natureza irosa
    da razão te deu partes tão contrárias
    que, sendo tão fermosa,
    folgues de te queimar em flamas várias,
    sem arder em nenhüa
    mais que enquanto alumia o mundo a Lüa;

    pois triunfando vás
    com diversos despojos de perdidos,
    que tu privando estas
    de razão, de juízo e de sentidos,
    e quase a todos dando
    aquele bem que a todos vós negando;

    pois tanto te contenta
    ver o nocturno moço, em ferro envolto,
    debaixo da tormenta
    de Júpiter, em água e vento solto,
    à porta, que impedido
    lhe tem seu bem, de mágoa adormecido;

    porque não tens receio
    que tantas inocências e esquivanças
    a deusa que põe freio
    a soberbas e doudas esperanças
    castigue com rigor,
    e contra ti se acenda o fero Amor?

    Olha a fermosa Flora:
    de despojos de mil suspiros rica,
    pelo capitão chora
    que lá em Tessália, enfim, vencido fica,
    e foi sublime tanto
    que altares lhe deu Roma e nome santo.

    Olha em Lesbos aquela
    no seu salteiro insigne conhecida
    dos muitos que por ela
    se perderam: perdeu a cara vida,
    na rocha que se infama
    com ser remédio extremo de quem ama

    pelo moço escolhido,
    onde mais se mostravam as três Graças;
    que Vénus escondido
    para si teve um tempo antre as alfaças;
    pagou coa morte fria
    a ma vida que a muitos já daria.

    E, vendo-se deixada
    daquele por quem tantos já deixara,
    se foi desesperada
    precipitar da infame rocha cara;
    que o mal de mal querida
    sabe que vida lhe é perder a vida.

    «Tomai-me, bravos mares;
    tomai-me vós, pois outrem me deixou!»
    E assi, dos altos ares
    pendendo, com furor se arremessou.
    Acude tu, suave,
    acude, poderosa e divina ave!

    Toma-a nas asas tuas,
    Minino pio, ilesa sem perigo,
    antes que nessas cruas
    águas caindo, apague o fogo antigo.
    É digno amor tamanho
    de viver e ser tido por estranho?

    «Não; que é razão que seja
    para as lobas isentas, que amor vendem,
    exemplo onde se veja
    que também ficam presas as que prendem.»
    Assi deu por sentença
    Némesis, que Amor quis que tudo vença.


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    Mensaje por Maria Lua Mar 01 Sep 2020, 14:53

    Se de meu pensamento



    Se de meu pensamento
    tanta razão tivera de alegrar-me
    quanta de meu tormento
    a tenho de queixar-me,
    puderas, triste lira, consolar-me.

    E minha voz cansada,
    que noutro tempo foi alegre e pura,
    não fora assi tornada,
    com tanta desventura,
    tão rouca, tão pesada, nem tão dura.

    A ser como soía,
    pudera levantar vossos louvores;
    vós, minha Hierarquia,
    ouvíreis meus amores,
    que exemplo são ao mundo, já, de dores.

    Alegres meus cuidados,
    contentes dias, horas e momentos,
    oh! quão bem alembrados
    sois de meus pensamentos,
    reinando agora em mim, duros tormentos!

    Ai, gostos fugitivos
    ai, glória já acabada e consumida,
    cruéis males esquivos,
    que me deixais a vida
    quão cheia de pesar, quão destruída!

    Mas como não é morta
    a triste vida já, que tanto dura?
    Como não abre a porta
    a tanta desventura,
    que em vão, co seu poder, o tempo cura?

    Mas, para padecê-la,
    se esforça meu sujeito e convalece;
    que, só para dizê-la,
    a força me falece
    e de todo me cansa e me enfraquece.

    Oh! bem-afortunado
    tu, que alcançaste com lira toante,
    Orfeu, ser escutado
    do fero Radamante,
    e cos teus olhos ver a doce amante!

    As infernais figuras
    moveste com teu canto docemente;
    as três Fúrias escuras,
    implacáveis à gente,
    quietas se tornaram, de repente.

    Ficou como pasmado
    todo o estígio reino co teu canto;
    e, quase descansado,
    de teu eterno pranto
    cessou de alçar Sísifo o grave canto.

    A ordem se mudava
    das penas que ordenava ali Plutão,
    em descanso tornava
    a roda de Ixião,
    e em glória quantas penas ali são.

    Pelo qual, admirada
    a Rainha infernal e comovida,
    te deu a desejada
    esposa que, perdida,
    de tantos dias já tivera a vida.

    Pois minha desventura
    como já não abranda üa alma humana
    que é contra mim mais dura
    e mui mais desumana
    que o furor de Calírroe profana?

    Ó crua, esquiva e fera,
    duro peito, cruel, empedernido,
    de algüa tigre fera
    da Hircânia nacido,
    ou dantre as duras rochas produzido!

    Mas que digo, coitado,
    e de quem fio em voo minhas querelas?
    Só vós, ó do salgado,
    húmido reino belas
    e claras Ninfas, condoei-vos delas

    e, de ouro guarnecidas,
    vossas louras cabeças levantando
    sôbol' água erguidas,
    as tranças gotejando,
    saí alegres todas ver qual ando.

    Saí em companhia
    cantando e colhendo as lindas flores;
    vereis minha agonia,
    ouvireis meus amores,
    assentareis meus prantos, meus clamores.

    Vereis o mais perdido
    e mais mofino corpo que é gerado;
    que está já convertido
    em choro, e neste estado
    somente vive nele o seu cuidado.


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    Mensaje por Maria Lua Dom 06 Sep 2020, 06:44


    Fogem as neves frias



    Fogem as neves frias
    dos altos montes, quando reverdecem
    as árvores sombrias;
    as verdes ervas crecem,
    e o prado ameno de mil cores tecem.

    Zéfiro brando espira;
    suas setas Amor afia agora;
    Progne triste suspira
    e Filomela chora;
    o Céu da fresca terra se enamora.
    Vai Vénus Citereia
    com os coros das Ninfas rodeada;
    a linda Panopeia,
    despida e delicada,
    com as duas irmãs acompanhada.

    Enquanto as oficinas
    dos Ciclopes Vulcano esta queimando,
    vão colhendo boninas
    as Ninfas e cantando,
    a terra co ligeiro pé tocando.

    Dece do duro monte
    Diana, já cansada d'espessura,
    buscando a clara fonte
    onde, por sorte dura,
    perdeu Actéon a natural figura.

    Assi se vai passando
    a verde Primavera e seco Estio;
    trás ele vem chegando
    depois o Inverno frio,
    que também passará por certo fio.

    Ir-se-á embranquecendo
    com a frígida neve o seco monte;
    e Júpiter, chovendo,
    turbará a clara fonte;
    temerá o marinheiro a Orionte.

    Porque, enfim, tudo passa;
    não sabe o tempo ter firmeza em nada;
    e nossa vida escassa
    foge tão apressada
    que, quando se começa, é acabada.

    Que foram dos Troianos
    Hector temido, Eneias piadoso?
    Consumiram-te os anos,
    Ó Cresso tão famoso,
    sem te valer teu ouro precioso.

    Todo o contentamento
    crias que estava no tesouro ufano?
    Ó falso pensamento
    que, à custa de teu dano,
    do douto Sólon creste o desengano!

    O bem que aqui se alcança
    não dura, por possante, nem por forte;
    que a bem-aventurança
    durável de outra sorte
    se há-de alcançar, na vida, para a morte.

    Porque, enfim, nada basta
    contra o terrível fim da noite eterna;
    nem pode a deusa casta
    tornar à luz superna
    Hipólito, da escura noite averna.

    Nem Teseu esforçado,
    com manha nem com força rigorosa,
    livrar pode o ousado
    Pirítoo da espantosa
    prisão leteia, escura e tenebrosa.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 07 Sep 2020, 09:23

    Já calma nos deixou



    Já calma nos deixou
    sem flores as ribeiras graciosas;
    já de todo secou
    os cravos, lírios e as purpúreas rosas;
    fogem da calma grave os passarinhos
    para o sombrio emparo de seus ninhos.

    Meneia os altos freixos
    a branda viração, de quando em quando,
    e dentre vários seixos,
    o líquido cristal sai murmurando;
    as gotas, que das alvas pedras saltam,
    o prado, como pérola, esmaltam.

    Da caça já cansada,
    busca a casta Titânia a espessura,
    onde, a sombra deitada,
    logre o doce repouso da verdura,
    e sobre o seu cabelo crespo e louro
    deixe cair o bosque o seu tesouro.

    O Céu desimpedido
    mostra o eterno lume das estrelas;
    e de flores vestido,
    üas vermelhas, outras amarelas,
    se mostra alegre o bosque, alegre o monte,
    o rio, o arvoredo, o prado, a fonte.

    Porque como o minino
    que a Júpiter pola águia foi levado,
    no cerco cristalino
    foi do amador de Clície visitado,
    o bosque chorará, chorará a fonte,
    o rio, o arvoredo, o prado, o monte.

    O mar, que agora, brando,
    é das lindas Nereidas cortado,
    se irá alevantando
    todo, em crespas escumas empolado;
    o soberbo furor do negro vento
    fará por toda a parte movimento.

    Lei e da Natureza
    mudar-se desta sorte o tempo leve;
    suceder a beleza
    da Primavera o fruto; à calma, a neve;
    e tornar outra vez, por certo fio,
    Outono, Inverno, Primavera, Estio.

    Tudo, enfim, faz mudança,
    quanto o claro Sol vê, quanto alumia;
    nem se acha segurança
    em tudo quanto alegra o belo dia;
    mudam-se as condições, muda-se a idade,
    a bonança, os estados e a vontade.

    Só a minha inimiga
    a dura condição nunca mudou,
    para que o mundo diga
    que, nela, lei tão certa se quebrou;
    só ela em me não ver sempre está firme,
    ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me.

    Mas já sofrível fora
    só ela em me matar mostrar firmeza,
    se não achara agora
    também em mim mudada a natureza;
    pois sempre o coração tenho turbado,
    sempre d'escuras nuvens rodeado.

    Sempre exprimento os fios
    que em contino receio Amor me manda;
    sempre os dous caudais rios
    que em meus olhos abriu quem nos seus anda,
    correm, sem chegar nunca o Verão brando,
    que tamanha aspereza vá mudando.

    O Sol, sereno e puro,
    que no fermoso rosto resplandece,
    envolto em manto escuro,
    do triste esquecimento, não parece,
    deixando em triste noite a triste vida,
    que nunca é de luz nova socorrida.

    Porém seja o que for:
    mude-se, por meu dano, a Natureza;
    perca a constância Amor;
    a Fortuna inconstante ache firmeza;
    e tudo se conjure contra mi,
    mas eu firme estarei no que emprendi.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 12 Sep 2020, 14:26

    Naquele tempo brando

     

    Naquele tempo brando
    em que se vê do mundo a fermosura,
    que Thétis descansando
    de seu trabalho está, fermosa e pura,
    cansava o Amor o peito
    do mancebo Peleu de um duro afeito.

    Com ímpeto forçoso
    lhe tinha já fugido a bela Ninfa
    quando, no tempo aquoso,
    Noto ligeiro move a clara linfa,
    serras no mar erguendo,
    que as altas vão da terra desfazendo.

    Esperava o mancebo,
    com a dor que o seu peito n'alma sente,
    um dos dias que Febo
    o mundo todo abrasa em fogo ardente,
    soltando as tranças de ouro
    em que Clície de amor faz seu tesouro.

    Era no mês que Apolo
    entre os irmãos celestes passa o tempo;
    o vento enfreia Eolo,
    para que o deleitoso passatempo
    seja quieto e mudo;
    que a tudo Amor obriga, e vence tudo.

    O luminoso dia
    os amorosos corpos despertava
    na cega idolatria,
    que o peito mais contenta e mais agrava;
    onde o cego Minino
    se faz crer dos humanos que é contino;

    quando a fermosa Ninfa
    com todo ajuntamento venerando,
    na pura e clara linfa
    o cristalino corpo está lavando;
    o qual, nas águas vendo,
    nele, alegre de o ver, se esta revendo:

    o peito diamantino
    em cuja branca teta Amor se cria;
    o gesto peregrino,
    cuja presença torna noite, dia;
    a graciosa boca,
    que Amor a seus amores mais provoca;

    os rubins graciosos;
    e pérolas que escondem entre as rosas
    os jardins deleitosos,
    que o Céu plantou em faces tão fermosas;
    o transparente colo,
    que ciúmes a Dafne faz de Apolo;

    o sutil movimento
    dos olhos, cuja vista o Amor cegou;
    o qual, com seu tormento,
    nunca mais de tais olhos se apartou,
    mas antes de contino
    nas mininas o trazem por minino;

    os fios espalhados
    de amor que aos mais dos peitos faz cobiça,
    onde Amor enredados
    os corações humanos traz e atiça,
    com férvido desejo
    por onde ele começa a ser sobejo.

    O mancebo Peleu,
    que de Neptuno estava aconselhado,
    vendo na terra o Céu
    em tão bela figura tresladado,
    mudo um pouco ficou,
    porque Amor logo a fala lhe tirou.

    Enfim, querendo ver
    quem tanto mal de longe lhe fazia,
    a vista foi perder,
    porque, de puro amor, Amor não via;
    ficando cego e mudo
    contra as forças do Amor, que pode tudo.

    Agora se aparelha
    para a batalha; agora remetendo;
    agora se aconselha;
    agora vai; agora está tremendo;
    quando já de Cupido
    com nova seta o peito viu ferido.

    Remete o moço logo
    para onde estava a chaga, sem sossego;
    e co sobejo fogo,
    quanto mais perto estava, então mais cego
    se via; e cum suspiro
    na fermosa donzela emprega o tiro.

    Vingado assi Peleu,
    nasceu deste amoroso ajuntamento
    o forte Larisseu,
    destruição do frígio pensamento;
    que, por não ser ferido,
    foi nas ondas estígias submergido.

     


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 12 Sep 2020, 14:26


    Aquele moço fero

     

    Aquele moço fero
    na peletrónia cova doutrinado
    do Centauro severo,
    cujo peito esforçado
    com tutanos de tigres foi criado;

    na água fatal, minino,
    o lava a mãe, pressaga do futuro,
    para que ferro fino
    não passe o peito duro
    que de si mesmo a si se tem por muro.

    A carne lhe endurece,
    que ser não possa de armas ofendida.
    Cega! que não conhece
    que pode haver ferida
    n'alma, que menos dói perder a vida.

    Que, aonde o braço irado
    dos Troianos passava arnês e escudo,
    ali se viu passado
    daquele ferro agudo
    do Minino que em todos pode tudo.

    Ali se viu cativo
    da cativa gentil, que serve e adora;
    ali se viu que, vivo,
    em vivo fogo mora,
    porque de seu senhor se vê senhora.

    Já toma a branda lira
    na mão que a dura Pélias meneara;
    ali canta e suspira,
    não como lhe ensinara
    o velho, mas o Moço que o cegara.

    Pois, logo, quem culpado
    será se, de pequeno, oferecido
    foi logo a seu cuidado,
    no berço instituído
    a não poder deixar de ser ferido?

    Quem, logo, fraco infante,
    doutro mais poderoso foi sujeito,
    que para cego amante
    foi de princípio feito,
    com lágrimas banhando o brando peito?

    Se agora foi ferido
    da penetrante seta e força de erva,
    e se Amor é servido
    que sirva à linda serva,
    para que minha estrela me reserva?

    O gesto bem-talhado,
    o airoso meneio e a postura,
    o rosto delicado,
    que na vista afigura
    que se ensina por arte a fermosura,

    como pode deixar
    de cativar quem tenha entendimento?
    Que, quem não penetrar
    um doce gesto, atento,
    não lhe é nenhum louvor viver isento.

    Que aqueles cujos peitos
    ornou de altas ciências o destino,
    esses foram sujeitos
    ao cego e vão Minino,
    arrebatados do furor divino.

    O Rei fermoso hebreio,
    que mais que todos soube, mais amou;
    tanto que a deus alheio
    falso sacrificou.
    Se muito soube e teve, muito errou.

    E o grão Sábio que ensina,
    passeando, os segredos da Sofia,
    à baixa concubina
    do vil eunuco Hermia
    aras ergueu, que aos deuses só devia.

    Aras ergue a quem ama
    o Filósofo insigne namorado.
    Dói-se a perpétua Fama
    e grita que, culpado,
    da lesa-divindade e acusado.

    Já foge donde habita;
    já paga a culpa enorme com desterro.
    Mas, oh! grande desdita!
    Bem mostra tamanho erro
    que doutos corações não são de ferro.

    Antes na altiva mente,
    no sutil sangue e engenho mais perfeito,
    há mais conveniente
    e conforme sujeito
    onde se imprima o brando e doce afeito.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Sáb 12 Sep 2020, 14:27

    Tão crua Ninfa, nem tão fugitiva

     

    Tão crua Ninfa, nem tão fugitiva,
    com lindo pé pisou
    a verde erva, nem colheu as brancas flores,
    soltando seus cabelos d'ouro fino
    ao vento que em mil doces nós os olhos ata,
    nem tão linda, discreta e tão fermosa
    como esta minha imiga.

    Aquilo que em pessoa que hoje viva
    no mundo não se achou,
    quis nela a Natureza., seus primores
    mostrando, que se achasse de contino:
    castidade e beleza; üa me mata,
    a outra, de suave e deleitosa,
    me faz doce a fadiga.

    Mas esta bela fera, tão esquiva,
    que o prazer me roubou,
    quis-mo pagar seus únicos louvores,
    cantando eu num estilo dela indino;
    porque, se de louvor tão alto trata,
    não sei eu tão baixo verso e prosa
    que escreva nem que diga.

    Aquela luz que a do Sol claro priva,
    e a minha me cegou;
    aquele mover de olhos, minhas dores
    causando do olhar manso e divino;
    o doce rir, que esta alma desbarata,
    faz a sua pena desejosa
    e de seu mal amiga.

    Dos belos olhos veio a flama viva
    que n'alma se ateou
    com a lenha de vossos disfavores,
    queimando dentro o coração mofino,
    cujo fim, por mor dano, se dilata
    com a esperança falsa e duvidosa
    que forçado é que siga.

    Minha ou vossa vendo-se cativa
    quem Deus livre criou,
    se aqueixa desses olhos roubadores,
    culpando ao claro raio peregrino;
    mas logo a luz suave, que a resgata,
    de vossa linda vista graciosa
    a faz que se desdiga.

    Nenhüa que no mundo humana viva,
    que o Criador formou
    por milagre maior entre os maiores,
    formou um feito de tal Feitor dino;
    Deus não quer que sejais, Senhora, ingrata,
    mas que ajudeis üa alma desditosa
    que em vós servir periga:

    a sofrer esta pena rigorosa
    vosso valor me obriga.

     


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    Mensaje por Maria Lua Sáb 12 Sep 2020, 14:27

    Aquele único exemplo

     

    Aquele único exemplo
    de fortaleza heróica e de ousadia,
    que mereceu, no templo
    da eternidade, ter perpétuo dia
    o grão filho de Thétis, que dez anos
    flagelo foi dos míseros Troianos;

    não menos ensinado
    foi nas ervas e médica notícia
    que destro e costumado
    no soberbo exercício da milícia:
    assi que as mãos que a tantos morte deram,
    também a muitos vida dar puderam.

    E não se desprezou
    aquele fero e indómito mancebo,
    das artes que ensinou
    para o lânguido corpo o intonso Febo
    que, se o temido Hector matar podia,
    também chagas mortais curar sabia.

    Tais artes aprendeu
    do semiviro mestre e douto velho,
    onde tanto creceu
    em virtude, ciências e conselho,
    que Télefo, por ele vulnerado,
    só dele pôde ser despois curado.

    Pois a vós, ó excelente
    e ilustríssimo Conde, do céu dado
    para fazer presente
    de heróis altos o tempo já passado;
    em que bem trasladada está a memória
    de vossos ascendentes a honra e a glória:

    Posto que o pensamento
    ocupado tenhais na guerra infesta,
    ou do sanguinolento
    taprobânico Achem, que o mar molesta,
    ou do Cambaico; oculto imigo nosso,
    que qualquer deles treme ao nome vosso;

    favorecei a antiga
    ciência, que já Aquiles estimou;
    olhai que vos obriga
    verdes que em vosso tempo se mostrou
    o fruto daquela Orta, onde florecem
    prantas novas, que os doutos não conhecem.

    Olhai que, em vossos anos,
    uma Orta insigne produze várias ervas
    nos campos lusitanos,
    as quais aquelas doutas e protervas
    Medeia e Circe nunca conheceram,
    posto que as leis da Magica excederam.

    E vede carregado
    d'anos, letras e longa experiência,
    um velho que, ensinado
    das gangéticas Musas na ciência
    podalíria sutil e arte silvestre,
    vence o velho Quiron, d'Aquiles mestre;

    o qual está pedindo
    vosso favor e ajuda ao grão volume
    que, agora em luz saindo,
    dará da Medicina um novo lume,
    e descobrindo irá segredos certos
    a todos os antigos encobertos.

    Assi que não podeis
    negar – como vos pede – benina aura:
    que, se muito valeis
    na polvorosa guerra índica e maura,
    ajudai quem ajuda contra a morte;
    e sereis semelhante ao Grego forte.


    Poema editado na primeira edição do «Colóquio dos Simples e Drogas da Índia» de Garcia de Orta, obra publicada em Goa em 1563.


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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 03:56

    A quem darão de Pindo as moradoras

     

    A quem darão de Pindo as moradoras,
    tão doutas como belas,
    florescentes capelas
    do triunfante louro ou mirto verde,
    da gloriosa palma, que não perde
    a presunção sublime,
    nem por força do peso algum se oprime?

    A quem trarão na fralda delicada
    rosas a roxa Clóris,
    conchas a branca Dóris;
    estas, flores do mar, da terra aquelas,
    argênteas, ruivas, brancas e amarelas,
    com danças e coreias
    de fermosas Nereidas e Napeias?

    A quem farão os hinos, odes, cantos,
    em Tebas Anfion,
    em Lesbos Arion,
    senão a vós, por quem restituída
    se vê da Poesia já perdida
    a honra e glória igual,
    Senhor Dom Manuel de Portugal?

    Imitando os espritos já passados,
    gentis, altos, reais,
    honra benigna dais
    a meu tão baixo quão zeloso engenho.
    Por Mecenas a vós celebro e tenho;
    e sacro o nome vosso
    farei, se algüa cousa em verso posso.

    O rudo canto meu, que ressuscita
    as honras sepultadas,
    as palmas já passadas
    dos belicosos nossos Lusitanos,
    para tesouro dos futuros anos,
    convosco se defende
    da lei leteia, à qual tudo se rende.

    Na vossa árvore, ornada de honra e glória,
    achou tronco excelente
    a hera florecente
    para a minha, até aqui de baixa estima,
    na qual, para trepar, se encosta e arrima;
    e nela subireis
    tão alto quanto aos ramos estendeis.

    Sempre foram engenhos peregrinos
    da Fortuna envejados;
    que, quanto levantados
    por um braço nas asas são da Fama,
    tanto por outro a sorte, que os desama,
    co peso e gravidade
    os oprime da vil necessidade.

    Mas altos corações, dignos de império,
    que vencem a Fortuna,
    foram sempre coluna
    da ciência gentil: Octaviano,
    Cipião, Alexandre e Graciano,
    que vemos imortais:
    e vós, que nosso século dourais.

    Pois logo, enquanto a cítara sonora
    se estimar pelo mundo,
    com som douto e jucundo,
    e enquanto produzir o Tejo e o Douro
    peitos de Marte e Febo crespo e louro,
    tereis glória imortal,
    Senhor Dom Manuel de Portugal.


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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 04:30

    CORRENTES ÁGUAS FRIAS DO MONDEGO



    Correntes águas frias do Mondego,
    dignas de ser somente celebradas
    de outro engenho, menos que o meu cego:

    correi agora, claras e apressadas,
    por esses campos verdes saudosos,
    banhando-lhe as flores prateadas;

    e por desertos montes cavernosos,
    vosso natural curso repugnando,
    segui novos caminhos espantosos.

    Deixai de ir docemente murmurando
    pelos troncos dos freixos e salgueiros,
    que o Zéfiro move, fresco e brando;

    e as fontes de cristal, frescos ribeiros,
    refúgio pola sesta dos pastores,
    que de vós correm mansos e ligeiros,

    todos tornem atrás; sequem-se as flores
    que nos alegres prados floreciam
    com mil diversidades de lavores.

    As mui fermosas Ninfas que saíam
    caçar ligeiras feras na montanha.
    que em vão achar guarida pretendiam,

    da terra a melhor vão da nossa Espanha
    buscar novo apascento e novo rio
    em triste sítio e entre gente estranha.

    O líquido elemento claro e frio
    que, retratando suas fermosuras,
    refreia o seco ardor do seco estio,

    das teias de ouro e sedas que em figuras
    vivas ao parecer fazem presente
    o passado melhor que as escrituras;

    a morada quieta e reluzente
    de preciosas pedras fabricada,
    no mais fundo do rio e mor corrente;

    o retorcido arreio e mui dourada
    Frecha de ouro, temida e poderosa,
    armas da casta deusa venerada;

    o branco lírio e a purpúrea rosa
    que, entre outras várias flores, coroava
    a branca fronte pura e graciosa;

    o bosque, vale ou selva, que gozava
    da doce fala e amoroso canto,
    que aos mais duros penedos abrandava;

    tudo triste, cruel, cheio de espanto
    mostre perpétuo inverno e aspereza,
    onde jamais se viu seu negro manto.

    Os campos se revistam de tristeza;
    jamais se veja neles primavera;
    em tudo lhe falte arte e natureza.

    Nada do que dá o Céu, que a gente espera
    se possa achar aqui, nem ache abrigo
    Ninfa, gado, pastor, nem ave ou fera.

    Tudo, como a mi foi, lhe seja imigo;
    que, por força de estrela ou de costume,
    fujo do melhor sempre e o pior sigo.

    Aquele dos meus olhos doce lume,
    por quem alegre fui, por quem sou triste,
    e a vida em largas queixas se consume,

    donde está, cego Amor? Onde encobriste
    um bem de tanto tempo, em um momento,
    depois que tão sujeito a ti me viste?

    Coa vista, co desejo e pensamento
    ver o angélico rosto em vão procuro,
    que excede todo o humano entendimento.

    Ah, tempo avaro! Ah, Fado esquivo e duro,
    que partiste a minha alma, e ma roubaste,
    quando eu tinha meu bem por mais seguro!

    Ah! Para que o grão preço me tiraste
    da vida, num desterro aborrecido,
    pois o gosto de o ter, tu mo deixaste?

    Ah! Quem se vira dele despedido,
    quando se despediu uma confiança,
    que lhe fazia glória o ser perdido!

    Quantas cousas mudou uma esperança,
    quanto prazer já vi, quanto mal vejo.
    quanto engano naceu de uma confiança!

    Deixem o celebrado e rico Tejo
    os coros das Nereidas que cantavam,
    que é princípio e fim de meu desejo;

    as peregrinas aves, que alternavam
    cantigas aprazíveis nos sombrios
    vales que amanhecendo retumbavam.

    Tornai-vos, olhos meus, tornai-vos rios,
    até que a imortal Parca, ou tarde ou cedo,
    atalhe tanto mal com duros fios.

    Que ainda falar de estado ou tempo ledo
    co alívio me tolha meu destino
    para que viva de contino em medo.

    Mas tão longe do bem, de que era indino,
    que pode arrecear que já não visse
    o vago pensamento peregrino?

    Se a meu ânimo crera, ele me disse,
    antes de anoutecer com mil receios
    da dor que adivinhou sem que a sentisse.

    Fortuna me tirou todos os meios
    de ser contente, e mais com apartar-me
    destes campos de erva e prazer cheios.

    E pois que neles só posso alegrar-me,
    jamais quero ver neles alegria,
    que só pode servir de magoar-me.

    Vai crecendo coa dor, de dia em dia,
    o grão temor, tristeza e saudade.
    Faça à cansada vida companhia
    a perdida esperança e liberdade.


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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 07:23

    AQUELE MOVER DE OLHOS EXCELENTE



    Aquele mover de olhos excelente,
    aquele vivo espírito inflamado
    do cristalino rosto transparente;

    aquele gesto imoto e repousado,
    que, estando na alma propriamente escrito,
    não pode ser em verso trasladado;

    aquele parecer, que é infinito
    para se compreender de engenho humano,
    o qual ofendo enquanto tenho dito,

    me inflama o coração dum doce engano.
    me enleva e engrandece a fantasia,
    que não vi maior glória que meu dano.

    Oh, bem-aventurado seja o dia
    em que tomei tão doce pensamento,
    que de todos os outros me desvia!

    E bem-aventurado o sofrimento
    que soube ser capaz de tanta pena,
    vendo que o foi da causa o entendimento!

    Faça-me, quem me mata, o mal que ordena;
    trate-me com enganos, desamores;
    que então me salva, quando me condena.

    E se de tão suaves disfavores
    penando vive üa alma consumida,
    oh! que doce penar! que doces dores!

    E se üa condição endurecida
    também me nega a morte, por meu dano,
    oh! que doce morrer! que doce vida!

    E se me mostra um gesto brando e humano,
    como quem de meu mal culpada se acha,
    oh! que doce mentir! que doce engano!

    E se em querer-lhe tanto ponho tacha,
    mostrando refrear o pensamento,
    oh! que doce fingir! que doce cacha!

    Assi que ponho já no sofrimento
    a parte principal de minha glória,
    tomando por milhor todo o tormento.

    Se sinto tanto bem só na memória
    de vos ver, linda Dama, vencedora,
    que quero eu mais que ser vossa a vitória?

    Se tanto vossa vista mais namora
    quanto eu sou menos para merecer-vos,
    que quero eu mais que ter-vos por senhora?

    Se procede este bem de conhecer-vos
    e consiste o vencer em ser vencido,
    que quero eu mais, Senhora, que querer-vos?

    Se em meu proveito faz qualquer partido,
    só na vista duns olhos tão serenos,
    que quero eu mais ganhar que ser perdido?

    Se meus baixos espritos, de pequenos,
    ainda não merecem seu tormento,
    que quero eu mais, que o mais não seja menos?

    A causa, enfim, me esforça o sofrimento,
    porque, apesar do mal, que me resiste,
    de todos os trabalhos me contento;
    que a razão faz a pena alegre ou triste.


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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 08:04



    O SULMONENSE OVÍDIO, DESTERRADO



    O sulmonense Ovídio, desterrado
    na aspereza do Ponto, imaginando
    ver-se de seus parentes apartado,

    sua cara mulher desamparando,
    seus doces filhos, seu contentamento,
    de sua pátria os olhos apartando;

    não podendo encobrir o sentimento,
    aos montes e às águas se queixava
    de seu escuro e triste nacimento.

    O curso das estrelas contemplava
    e como, por sua ordem, discorria
    o céu, o ar e a terra adonde estava.

    Os peixes pelo mar nadando via,
    as feras pelo monte, procedendo
    como seu natural lhes permitia.

    De suas fontes via estar nascendo
    os saudosos rios de cristal,
    à sua natureza obedecendo.

    Assi só, de seu próprio natural
    apartado, se via em terra estranha,
    a cuja triste dor não acha igual.

    Só sua doce Musa o acompanha,
    nos versos saudosos que escrevia,
    e lágrimas com que ali o campo banha.

    Destarte me afigura a fantasia
    a vida com que vivo, desterrado
    do bem que noutro tempo possuía.

    Ali contemplo o gosto já passado,
    que nunca passará pola memória
    de quem o tem na mente debuxado.

    Ali vejo a caduca e débil glória
    desenganar meu erro, coa mudança
    que faz a frágil vida transitória.

    Ali me representa esta lembrança
    quão pouca culpa tenho; e me entristece
    ver sem razão a pena que me alcança.

    Que a pena que com causa se padece,
    a causa tira o sentimento dela;
    mas muito dói a que se não merece.

    Quando a roxa manhã, fermosa e bela,
    abre as portas ao Sol, e cai o orvalho,
    e torna a seus queixumes Filomela;

    este cuidado, que co sono atalho,
    em sonhos me parece; que o que a gente
    para descanso tem, me dá trabalho.

    E depois de acordado, cegamente
    – ou, por melhor dizer, desacordado,
    que pouco acordo tem um descontente –

    dali me vou, com passo carregado,
    a um outeiro erguido, e ali me assento,
    soltando a rédea toda a meu cuidado.

    Depois de farto já de meu tormento,
    dali estendo os olhos saudosos
    à parte aonde tenho o pensamento.

    Não vejo senão montes pedregosos;
    e os campos sem graça e secos vejo
    que já floridos vira e graciosos.

    Vejo o puro, suave e brando Tejo,
    com as côncavas barcas que, nadando,
    vão pondo em doce efeito seu desejo:

    üas co brando vento navegando,
    outras cos leves remos, brandamente
    as cristalinas águas apartando.

    Dali falo co a água, que não sente,
    com cujo sentimento a alma sai
    em lágrimas desfeita claramente.

    Ó fugitivas ondas, esperai!
    que pois me não levais em companhia,
    ao menos estas lágrimas levai;

    até que venha aquele alegre dia
    que eu vá onde vós is, contente e ledo.
    Mas tanto tempo quem o passaria?

    Não pode tanto bem chegar tão cedo,
    porque primeiro a vida acabará
    que se acabe tão áspero degredo.

    Mas esta triste morte que virá,
    se em tão contrário estado me acabasse,
    a alma impaciente adonde ira?

    Que, se às portas tartáreas chegasse,
    temo que tanto mal pola memória
    nem ao passar de Lete lhe passasse.

    Que, se a Tântalo e Tício for notória
    a pena com que vai, que a atormenta,
    a pena que lá tem terão por glória.

    Esta imaginação me acrecenta
    mil mágoas no sentido, porque a vida
    de imaginações tristes se sustenta.

    Que pois de todo vive consumida,
    por que o mal que possui se resuma,
    imagina na glória possuída,

    até que a noite eterna me consuma,
    ou veja aquele dia desejado,
    em que Fortuna faça o que costuma;
    se nela há i mudar um triste estado.


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    Luís Vaz de Camões (c.1524-1580) - Página 7 Empty Re: Luís Vaz de Camões (c.1524-1580)

    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 08:21

    A D. ANTÓNIO DE NORONHA, ESTANDO NA ÍNDIA:


    Aquela que de amor descomedido
    pelo fermoso moço se perdeu
    que só por si de amores foi perdido,

    despois que a deusa em pedra a converteu
    de seu humano gesto verdadeiro,
    a última voz só lhe concedeu;

    assi meu mal do próprio ser primeiro
    outra cousa nenhüa me consente
    que este canto que escrevo derradeiro.

    E, se uma pouca vida, estando ausente,
    me deixa Amor, e por que o pensamento
    sinta a perda do bem de estar presente.

    Se, Senhor, vos espanta o sentimento
    que tenho em tanto mal, para escrevê-lo
    furto este breve tempo a meu tormento;

    porque quem tem poder para sofrê-lo,
    sem se acabar a vida co cuidado,
    também terá poder para dizê-lo.

    Nem eu escrevo mal tão costumado,
    mas n'alma minha, triste e saudosa,
    a saudade escreve, eu traslado.

    Ando gastando a vida trabalhosa,
    espalhando a contínua saudade
    ao longo de üa praia saudosa.

    Vejo do mar a instabilidade
    como, com seu ruído impetuoso,
    retumba na maior concavidade

    e, com sua branca escuma, furioso,
    na terra, a seu pesar, lhe está tomando
    lugar onde se estenda, cavernoso.

    Ela, como mais fraca, lhe está dando
    as côncavas entranhas, onde esteja
    suas salgadas ondas espalhando.

    A todas estas cousas tenho enveja
    tamanha, que não sei determinar-me,
    por mais determinado que me veja.

    Se quero em tanto mal desesperar-me,
    não posso, porque Amor e Saudade
    nem licença me dão para matar-me.

    Às vezes cuido em mim se a novidade
    e estranheza das cousas, coa mudança,
    se poderão mudar üa vontade.

    E com isto afiguro na lembrança
    a nova terra, o novo trato humano,
    a estrangeira gente e estranha usança.

    Subo-me ao monte que Hércules tebano
    do altíssimo Calpe dividiu,
    dando caminho ao mar Mediterrano.

    Dali estou tenteando aonde viu
    o pomar das Hespéridas, matando
    a serpe que a seu passo resistiu.

    Em outra parte estou afigurando
    o poderoso Anteu que, derrubado,
    mais força lhe estava acrecentando;

    mas, do hercúleo braço sojugado,
    no ar deixou a vida, não podendo
    da madre terra já ser ajudado.

    Nem com isto, enfim, que estou dizendo,
    nem com as armas tão continuadas
    de lembranças passadas me defendo.

    Todas as cousas vejo demudadas,
    porque o tempo ligeiro não consente
    que estejam de firmeza acompanhadas.

    Vi já que a Primavera, de contente,
    de mil cores alegres revestia
    o monte, o rio, o campo, alegremente.

    Vi já das altas aves a harmonia,
    que até aos montes duros convidava
    a um modo suave de alegria.

    Vi já que tudo, enfim, me contentava
    e que, de muito cheio de firmeza,
    um mal por mil prazeres não trocava.

    Tal me tem a mudança e estranheza
    que, se vou pelos campos, a verdura
    parece que se seca, de tristeza.

    Mas isto é já costume da ventura:
    que os olhos que vivem descontentes,
    descontente o prazer se lhe afigura.

    Ó graves e insofríveis acidentes
    de Fortuna e de Amor, que penitência
    tão grave dais aos peitos inocentes!

    Não basta exprimentar-me paciência,
    com temores e falsas esperanças,
    sem que também me atente o mal de ausência?

    Trazeis um brando ânimo em mudanças,
    para que nunca possa ser mudado
    de lágrimas, suspiros e lembranças.

    E, se estiver ao mal acostumado,
    também no mal não consentis firmeza,
    para que nunca viva descansado.

    Vivia eu sossegado na tristeza,
    e ali não me faltava um brando engano,
    que tirasse os desejos da fraqueza;

    e, vendo-me enganado estar ufano,
    deu à roda Fortuna, e deu comigo
    onde de novo choro o novo dano.

    Já deve de bastar o que aqui digo
    para dar a entender o mais que falo,
    a quem já viu tão áspero perigo.

    E se nos bravos peitos faz abalo
    um peito magoado e descontente,
    que obriga a quem o ouve a consolá-lo;

    não quero mais senão que largamente,
    Senhor, me mandeis novas dessa terra:
    ao menos poderei viver contente.

    Porque se o duro Fado me desterra
    tanto tempo do bem que o fraco esprito
    desampare a prisão onde se encerra,

    ao som das negras águas de Cocito,
    ao pé dos carregados arvoredos
    cantarei o que na alma tenho escrito.

    E, por entre esses hórridos penedos,
    a quem negou Natura o claro dia,
    entre tormentos ásperos e medos,

    com a trémula voz, cansada e fria,
    celebrarei o gesto claro e puro
    que nunca perderei da fantasia.

    E o músico de Trácia, já seguro
    de perder sua Eurídice, tangendo
    me ajudará, ferindo o ar escuro.

    As namoradas sombras, revolvendo
    memórias do passado, me ouvirão;
    e, com seu choro, o rio irá crecendo:

    Em Salmoneu as penas faltarão,
    e das filhas de Belo, juntamente,
    de lágrimas os vasos se encherão.

    Que se o amor não se perde em vida ausente;
    menos se perderá por morte escura;
    porque, enfim, a alma vive eternamente,
    e amor é afeito d'alma, e sempre dura.


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    y en ese vuelo y en ese sueño
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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 09:42

    Se de meu pensamento



    Se de meu pensamento
    tanta razão tivera de alegrar-me
    quanta de meu tormento
    a tenho de queixar-me,
    puderas, triste lira, consolar-me.

    E minha voz cansada,
    que noutro tempo foi alegre e pura,
    não fora assi tornada,
    com tanta desventura,
    tão rouca, tão pesada, nem tão dura.

    A ser como soía,
    pudera levantar vossos louvores;
    vós, minha Hierarquia,
    ouvíreis meus amores,
    que exemplo são ao mundo, já, de dores.

    Alegres meus cuidados,
    contentes dias, horas e momentos,
    oh! quão bem alembrados
    sois de meus pensamentos,
    reinando agora em mim, duros tormentos!

    Ai, gostos fugitivos
    ai, glória já acabada e consumida,
    cruéis males esquivos,
    que me deixais a vida
    quão cheia de pesar, quão destruída!

    Mas como não é morta
    a triste vida já, que tanto dura?
    Como não abre a porta
    a tanta desventura,
    que em vão, co seu poder, o tempo cura?

    Mas, para padecê-la,
    se esforça meu sujeito e convalece;
    que, só para dizê-la,
    a força me falece
    e de todo me cansa e me enfraquece.

    Oh! bem-afortunado
    tu, que alcançaste com lira toante,
    Orfeu, ser escutado
    do fero Radamante,
    e cos teus olhos ver a doce amante!

    As infernais figuras
    moveste com teu canto docemente;
    as três Fúrias escuras,
    implacáveis à gente,
    quietas se tornaram, de repente.

    Ficou como pasmado
    todo o estígio reino co teu canto;
    e, quase descansado,
    de teu eterno pranto
    cessou de alçar Sísifo o grave canto.

    A ordem se mudava
    das penas que ordenava ali Plutão,
    em descanso tornava
    a roda de Ixião,
    e em glória quantas penas ali são.

    Pelo qual, admirada
    a Rainha infernal e comovida,
    te deu a desejada
    esposa que, perdida,
    de tantos dias já tivera a vida.

    Pois minha desventura
    como já não abranda üa alma humana
    que é contra mim mais dura
    e mui mais desumana
    que o furor de Calírroe profana?

    Ó crua, esquiva e fera,
    duro peito, cruel, empedernido,
    de algüa tigre fera
    da Hircânia nacido,
    ou dantre as duras rochas produzido!

    Mas que digo, coitado,
    e de quem fio em voo minhas querelas?
    Só vós, ó do salgado,
    húmido reino belas
    e claras Ninfas, condoei-vos delas

    e, de ouro guarnecidas,
    vossas louras cabeças levantando
    sôbol' água erguidas,
    as tranças gotejando,
    saí alegres todas ver qual ando.

    Saí em companhia
    cantando e colhendo as lindas flores;
    vereis minha agonia,
    ouvireis meus amores,
    assentareis meus prantos, meus clamores.

    Vereis o mais perdido
    e mais mofino corpo que é gerado;
    que está já convertido
    em choro, e neste estado
    somente vive nele o seu cuidado.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Dom 13 Sep 2020, 13:34

    O POETA SIMÓNIDES, FALANDO



    O Poeta Simónides, falando
    co capitão Temístocles, um dia,
    em cousas de ciência praticando,

    üa arte singular lhe prometia,
    que então compunha, com que lhe ensinasse
    a se lembrar de tudo o que fazia;

    onde tão sutis regras lhe mostrasse
    que nunca lhe passasse da memória
    em nenhum tempo as cousas que passasse.

    Bem merecia, certo, fama e glória
    quem dava regra contra o esquecimento
    que enterra em si qualquer antiga história.

    Mas o capitão claro, cujo intento
    bem diferente estava, porque havia
    as passadas lembranças por tormento,

    «o ilustre Simónides – dizia –
    pois tanto em teu engenho te confias
    que mostras à memória nova via?

    Se me desses üa arte que em meus dias
    me não lembrasse nada do passado,
    oh! quanto milhor obra me farias!»

    Se este excelente dito ponderado
    fosse por quem se visse estar ausente,
    em longas esperanças degradado,

    oh! como bradaria justamente:
    «Simónides, inventa novas artes;
    não meças o passado co presente!»

    Que, se e forçado andar por várias partes
    buscando e vida algum descanso honesto,
    que tu, Fortuna injusta, mal repartes;

    e se o duro trabalho e manifesto
    que, por grave que seja, há-de passar-se
    com animoso esprito e ledo gesto;

    de que serve às pessoas alembrar-se
    do que se passou já, pois tudo passa,
    senão de entristecer-se e magoar-se?

    Se noutro corpo üa alma se traspassa,
    – não, como quis Pitágoras, na morte
    mas, como manda Amor, na vida escassa –;

    e se este Amor no mundo está de sorte
    que na virtude só dum lindo objecto
    tem um corpo sem alma, vivo e forte;

    onde este objecto falta, que é defecto
    tamanho para a vida, que já nela
    me está chamando à pena a dura Alecto;

    porque me não criara minha estrela
    selvático no mundo, e habitante
    na dura Cítia, ou na aspereza dela?

    Ou no Cáucaso horrendo, fraco infante,
    criado ao peito dalgüa tigre hircana?
    Homem fora formado de diamante,

    porque a cerviz ferina e inumana
    não sometera ao jugo e dura lei
    daquele que de vida quando engana.

    Ou, em pago das águas que estilei,
    as que do mar passei foram de Lete,
    para que me esquecera o que passei.

    Que o bem que a esperança vã promete,
    ou a morte o estorva, ou a mudança,
    que e mal que üa alma em lágrimas derrete.

    Já, Senhor, cairá como a lembrança,
    no mal, do bem passado é triste e dura,
    pois nace aonde morre a esperança.

    E se quiser saber como se apura
    nüa alma saudosa, não se enfade
    de ler tão longa e mísera escritura.

    Soltava Eolo a rédea e liberdade
    ao manso Favónio brandamente,
    e eu já tinha solta a saudade.

    Neptuno tinha posto o seu tridente;
    a proa a branca escuma dividia,
    co a gente marítima contente.

    O coro das Nereidas nos seguia;
    os ventos, namorada Galateia
    consigo, sossegados, os movia.

    Das argênteas conchinhas, Panopeia
    andava pelo mar fazendo molhe,
    Melaneto, Dinamene, com Ligeia.

    Eu, trazendo lembranças por antolhos
    trazia os olhos na água sossegada,
    e a água sem sossego nos meus olhos.

    A bem-aventurança já passada
    diante de mim tinha tão presente
    como se não mudasse o tempo nada.

    E com o gesto imoto e descontente
    cum suspiro profundo e mal ouvido
    por não mostrar meu mal a toda a gente,

    dizia: ó claras Ninfas! Se o sentido
    em puro amor tivestes, e inda agora
    da memória o não tendes esquecido;

    se, porventura, fordes algüa hora
    aonde entra o grão Tejo a dar tributo
    a Tétis, que vos tendes por Senhora;

    ou por verdes o prado verde enxuto,
    ou por colherdes ouro rutilante,
    das tágicas areias rico fruto;

    nelas em verso heróico e elegante,
    escrevei cüa concha o que em mim vistes:
    pode ser que algum peito se quebrante.

    E contando de mim memórias tristes,
    os pastores do Tejo, que me ouviam,
    ouçam de vós as mágoas que me ouvistes.

    Elas, que já no gesto me entendiam
    nos meneios das ondas me mostravam
    que em quanto lhes pedia consentiam.

    Estas lembranças, que me acompanhavam
    pola tranquilidade da bonança,
    nem na tormenta grave me deixavam.

    Porque, chegado ao Cabo da Esperança,
    começo da saudade que renova,
    lembrando a longa e áspera mudança;

    debaixo estando já da estrela nova,
    que no novo hemisfério resplandece,
    dando do segundo axe certa prova;

    eis a noite com nuvens escurece,
    do ar supitamente foge o dia,
    e o largo oceano se embravece.

    A máquina do mundo parecia
    que em tormenta se vinha desfazendo,
    em serras todo o mar se convertia.

    Lutando, Bóreas fero e Noto horrendo
    sonoras tempestades levantavam,
    das naus as velas côncavas rompendo.

    As cordas, co ruído, assoviavam;
    os marinheiros, já, desesperados,
    com gritos para o Céu o ar coalhavam.

    Os raios por Vulcano fabricados
    vibrava o fero e áspero Tonante,
    tremendo os Pólos ambos, de assombrados!

    Ali Amor mostrando-se possante
    e que por nenhum modo não fugia,
    – mas quanto mais trabalho, mais constante –

    vendo a morte diante em mim, dizia:
    «Se algüa hora, Senhora, vos lembrasse,
    nada do que passei me lembraria».

    Enfim, nunca houve cousa que mudasse
    o firme Amor do intrínseco daquele
    em cujo peito üa vez de siso entrasse.

    Üa cousa, Senhor, por certo assele:
    que nunca Amor se afina nem se apura,
    enquanto está presente a causa dele.

    Destarte me chegou minha ventura
    a esta desejada e longa terra,
    de todo o pobre honrado sepultura.

    Vi quanta vaidade em nós se encerra,
    e dos próprios quão pouca; contra quem
    foi logo necessário termos guerra:

    que üa ilha que o rei de Porcá tem,
    que o rei da Pimenta lhe tomara,
    fomos tomar-lha, e sucedeu-nos bem.

    Com üa armada grossa, que ajuntara
    o viso-rei de Goa, nos partimos
    com toda a gente de armas que se achara,

    e com pouco trabalho destruímos
    a gente no curvo arco exercitada;
    com mortes, com incêndios, os punimos.

    Era a ilha com águas alagada,
    de modo que se andava em almadias;
    enfim, outra Veneza trasladada.

    Nela nos detivemos sós dous dias,
    que foram para alguns os derradeiros,
    que passaram de Estige as águas frias.

    Que estes são os remédios verdadeiros
    que para a vida estão aparelhados
    aos que a querem ter por cavaleiros.

    Oh! lavradores, bem-aventuradas
    se conhecessem seu contentamento!
    Como vivem no campo sossegados!

    Dá-lhes a justa terra o mantimento,
    dá-lhes a fonte clara a água pura,
    mungem suas ovelhas cento a cento.

    Não vêem o mar irado, a noite escura,
    por ir buscar a pedra do Oriente;
    não temem o furor da guerra dura.

    Vive um com suas árvores contente,
    sem lhe quebrar o sono sossegado
    o cuidado do ouro reluzente.

    Se lhe falta o vestido perfumado,
    e da fermosa cor assíria tinto,
    e dos torçais atálicos lavrado;

    se não têm as delícias de Corinto,
    e se de Pário os mármores lhe faltam,
    o piropo, a esmeralda, e o jacinto;

    se suas casas de ouro não se esmaltam,
    esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
    onde os cabritos seus, comendo, saltam.

    Ali amostra o campo várias cores,
    vêem-se os ramos pender co fruto ameno,
    ali se afina o campo dos pastores;

    ali cantara Títiro e Sileno.
    Enfim, por estas partes caminhou
    a sã Justiça para e Céu sereno.

    Ditoso seja aquele que alcançou
    poder viver na doce companhia
    das mansas ovelhinhas que criou!

    Este, bem facilmente alcançaria
    as causas naturais de toda a cousa:
    como se gera a chuva e neve fria;

    os trabalhos do Sol, que não repousa;
    e porque nos dá a Lüa a luz alheia,
    se tolher-nos de Febo os raios ousa;

    e como tão depressa o Céu rodeia;
    e como um só os outros traz consigo;
    e se é benina ou dura Citereia.

    Bem mal pode entender isto que digo
    quem há-de andar seguindo o fero Marte,
    que traz os olhos sempre em seu perigo.

    Porém seja, senhor, de qualquer arte,
    que, posto que a Fortuna possa tanto
    que tão longe de todo o bem me aparte,

    não poderá apartar meu duro canto
    desta obrigação sua, enquanto a morte
    me não entrega ao duro Radamanto,
    se para tristes há tão leda sorte.


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    Mensaje por Maria Lua Lun 14 Sep 2020, 08:50

    Se de meu pensamento



    Se de meu pensamento
    tanta razão tivera de alegrar-me
    quanta de meu tormento
    a tenho de queixar-me,
    puderas, triste lira, consolar-me.

    E minha voz cansada,
    que noutro tempo foi alegre e pura,
    não fora assi tornada,
    com tanta desventura,
    tão rouca, tão pesada, nem tão dura.

    A ser como soía,
    pudera levantar vossos louvores;
    vós, minha Hierarquia,
    ouvíreis meus amores,
    que exemplo são ao mundo, já, de dores.

    Alegres meus cuidados,
    contentes dias, horas e momentos,
    oh! quão bem alembrados
    sois de meus pensamentos,
    reinando agora em mim, duros tormentos!

    Ai, gostos fugitivos
    ai, glória já acabada e consumida,
    cruéis males esquivos,
    que me deixais a vida
    quão cheia de pesar, quão destruída!

    Mas como não é morta
    a triste vida já, que tanto dura?
    Como não abre a porta
    a tanta desventura,
    que em vão, co seu poder, o tempo cura?

    Mas, para padecê-la,
    se esforça meu sujeito e convalece;
    que, só para dizê-la,
    a força me falece
    e de todo me cansa e me enfraquece.

    Oh! bem-afortunado
    tu, que alcançaste com lira toante,
    Orfeu, ser escutado
    do fero Radamante,
    e cos teus olhos ver a doce amante!

    As infernais figuras
    moveste com teu canto docemente;
    as três Fúrias escuras,
    implacáveis à gente,
    quietas se tornaram, de repente.

    Ficou como pasmado
    todo o estígio reino co teu canto;
    e, quase descansado,
    de teu eterno pranto
    cessou de alçar Sísifo o grave canto.

    A ordem se mudava
    das penas que ordenava ali Plutão,
    em descanso tornava
    a roda de Ixião,
    e em glória quantas penas ali são.

    Pelo qual, admirada
    a Rainha infernal e comovida,
    te deu a desejada
    esposa que, perdida,
    de tantos dias já tivera a vida.

    Pois minha desventura
    como já não abranda üa alma humana
    que é contra mim mais dura
    e mui mais desumana
    que o furor de Calírroe profana?

    Ó crua, esquiva e fera,
    duro peito, cruel, empedernido,
    de algüa tigre fera
    da Hircânia nacido,
    ou dantre as duras rochas produzido!

    Mas que digo, coitado,
    e de quem fio em voo minhas querelas?
    Só vós, ó do salgado,
    húmido reino belas
    e claras Ninfas, condoei-vos delas

    e, de ouro guarnecidas,
    vossas louras cabeças levantando
    sôbol' água erguidas,
    as tranças gotejando,
    saí alegres todas ver qual ando.

    Saí em companhia
    cantando e colhendo as lindas flores;
    vereis minha agonia,
    ouvireis meus amores,
    assentareis meus prantos, meus clamores.

    Vereis o mais perdido
    e mais mofino corpo que é gerado;
    que está já convertido
    em choro, e neste estado
    somente vive nele o seu cuidado.


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    Luís Vaz de Camões (c.1524-1580) - Página 7 Empty Re: Luís Vaz de Camões (c.1524-1580)

    Mensaje por Maria Lua Lun 14 Sep 2020, 08:51


    Fogem as neves frias



    Fogem as neves frias
    dos altos montes, quando reverdecem
    as árvores sombrias;
    as verdes ervas crecem,
    e o prado ameno de mil cores tecem.

    Zéfiro brando espira;
    suas setas Amor afia agora;
    Progne triste suspira
    e Filomela chora;
    o Céu da fresca terra se enamora.
    Vai Vénus Citereia
    com os coros das Ninfas rodeada;
    a linda Panopeia,
    despida e delicada,
    com as duas irmãs acompanhada.

    Enquanto as oficinas
    dos Ciclopes Vulcano esta queimando,
    vão colhendo boninas
    as Ninfas e cantando,
    a terra co ligeiro pé tocando.

    Dece do duro monte
    Diana, já cansada d'espessura,
    buscando a clara fonte
    onde, por sorte dura,
    perdeu Actéon a natural figura.

    Assi se vai passando
    a verde Primavera e seco Estio;
    trás ele vem chegando
    depois o Inverno frio,
    que também passará por certo fio.

    Ir-se-á embranquecendo
    com a frígida neve o seco monte;
    e Júpiter, chovendo,
    turbará a clara fonte;
    temerá o marinheiro a Orionte.

    Porque, enfim, tudo passa;
    não sabe o tempo ter firmeza em nada;
    e nossa vida escassa
    foge tão apressada
    que, quando se começa, é acabada.

    Que foram dos Troianos
    Hector temido, Eneias piadoso?
    Consumiram-te os anos,
    Ó Cresso tão famoso,
    sem te valer teu ouro precioso.

    Todo o contentamento
    crias que estava no tesouro ufano?
    Ó falso pensamento
    que, à custa de teu dano,
    do douto Sólon creste o desengano!

    O bem que aqui se alcança
    não dura, por possante, nem por forte;
    que a bem-aventurança
    durável de outra sorte
    se há-de alcançar, na vida, para a morte.

    Porque, enfim, nada basta
    contra o terrível fim da noite eterna;
    nem pode a deusa casta
    tornar à luz superna
    Hipólito, da escura noite averna.

    Nem Teseu esforçado,
    com manha nem com força rigorosa,
    livrar pode o ousado
    Pirítoo da espantosa
    prisão leteia, escura e tenebrosa.


    _________________



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    Mensaje por Maria Lua Lun 14 Sep 2020, 08:51


    Já calma nos deixou



    Já calma nos deixou
    sem flores as ribeiras graciosas;
    já de todo secou
    os cravos, lírios e as purpúreas rosas;
    fogem da calma grave os passarinhos
    para o sombrio emparo de seus ninhos.

    Meneia os altos freixos
    a branda viração, de quando em quando,
    e dentre vários seixos,
    o líquido cristal sai murmurando;
    as gotas, que das alvas pedras saltam,
    o prado, como pérola, esmaltam.

    Da caça já cansada,
    busca a casta Titânia a espessura,
    onde, a sombra deitada,
    logre o doce repouso da verdura,
    e sobre o seu cabelo crespo e louro
    deixe cair o bosque o seu tesouro.

    O Céu desimpedido
    mostra o eterno lume das estrelas;
    e de flores vestido,
    üas vermelhas, outras amarelas,
    se mostra alegre o bosque, alegre o monte,
    o rio, o arvoredo, o prado, a fonte.

    Porque como o minino
    que a Júpiter pola águia foi levado,
    no cerco cristalino
    foi do amador de Clície visitado,
    o bosque chorará, chorará a fonte,
    o rio, o arvoredo, o prado, o monte.

    O mar, que agora, brando,
    é das lindas Nereidas cortado,
    se irá alevantando
    todo, em crespas escumas empolado;
    o soberbo furor do negro vento
    fará por toda a parte movimento.

    Lei e da Natureza
    mudar-se desta sorte o tempo leve;
    suceder a beleza
    da Primavera o fruto; à calma, a neve;
    e tornar outra vez, por certo fio,
    Outono, Inverno, Primavera, Estio.

    Tudo, enfim, faz mudança,
    quanto o claro Sol vê, quanto alumia;
    nem se acha segurança
    em tudo quanto alegra o belo dia;
    mudam-se as condições, muda-se a idade,
    a bonança, os estados e a vontade.

    Só a minha inimiga
    a dura condição nunca mudou,
    para que o mundo diga
    que, nela, lei tão certa se quebrou;
    só ela em me não ver sempre está firme,
    ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me.

    Mas já sofrível fora
    só ela em me matar mostrar firmeza,
    se não achara agora
    também em mim mudada a natureza;
    pois sempre o coração tenho turbado,
    sempre d'escuras nuvens rodeado.

    Sempre exprimento os fios
    que em contino receio Amor me manda;
    sempre os dous caudais rios
    que em meus olhos abriu quem nos seus anda,
    correm, sem chegar nunca o Verão brando,
    que tamanha aspereza vá mudando.

    O Sol, sereno e puro,
    que no fermoso rosto resplandece,
    envolto em manto escuro,
    do triste esquecimento, não parece,
    deixando em triste noite a triste vida,
    que nunca é de luz nova socorrida.

    Porém seja o que for:
    mude-se, por meu dano, a Natureza;
    perca a constância Amor;
    a Fortuna inconstante ache firmeza;
    e tudo se conjure contra mi,
    mas eu firme estarei no que emprendi.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 18 Sep 2020, 07:38

    À morte de D. Miguel de Meneses, filho de D. Henrique de Meneses, governador da Casa Cível, que morreu na Índia:


    Que novas tristes são, que novo dano,
    que mal inopinado incerto soa,
    tingindo de temor o vulto humano?

    Que vejo as praias húmidas de Goa
    ferver com gente atónita e torvada
    do rumor que de boca em boca soa.

    É morto D. Miguel – ah, crua espada! –
    e parte da lustrosa companhia
    que se embarcou na alegre e triste armada,

    e de espingarda ardente e lança fria
    passado pelo torpe e iníquo braço
    que nessas altas famas injuria.

    Não lhe valeu rodela ou peito de aço,
    nem ânimo de Avós altos herdado,
    com que se defendeu tamanho espaço;

    não ter-se em derredor todo cercado
    de corpos de inimigos, que exalavam
    a negra alma do corpo traspassado;

    não com palavras fortes, que voavam
    a animar os incertos companheiros
    que, fortes, caem e tímidos viravam.

    Mas já postos nos termos derradeiros,
    passados por mil partes e cortados
    os membros, só do nobre esforço inteiros,

    os olhos, de furor acompanhados,
    que inda na morte as vidas amedrontam
    dos fracos inimigos espantados,

    postos no Céu, parece que apresentam
    a pura alma a suprema Eternidade,
    por quem os Céus e Terra se sustentam.

    E pedindo dos erros, que na idade
    verde e quase inocente já fazia,
    perdão à pia e justa Majestade,

    as rosas apartou da neve fria;
    e, como flama fraca, a quem falece
    seu húmido licor, de que vivia,

    nas mãos do Coro angelical, que dece,
    se entrega, e vai gozar da vida eterna
    que com tão justa morte se merece.

    Vai-te, alma, em paz e glória sempiterna!
    Vai, que quem pela Lei santa e divina
    morre, a dá a Deus, que os Céus governa.

    Quando pela razão devida e dina
    do Rei, da Pátria, e honra dos passados
    sacrificar a vida nos ensina,

    nos assentos de estrelas esmaltados
    lhe dá lugar a altíssima Clemência
    entre os heróis a glória destinados.

    Mas, ah! quem sofrerá perpétua ausência
    de tão caro Senhor, tão fido amigo!
    Quem porá contra mágoas resistência?

    Aquele ânimo grande, que do antigo
    de seus maiores era alto retrato,
    desprezador de todo o vil perigo;

    misturado com dece e brando trato
    cos iguais juntamente, e cos menores
    a todos amoroso, a todos grato;

    aquele esprito nobre, onde maiores
    esperanças cresciam, se o tão duro
    caso as não cortara em novas flores;

    em verde idade, siso já maduro,
    alegre riso, ledo e aberto peito,
    em repousado espírito seguro,

    não soberbo e por arte contrafeito,
    mas todo puro e, enfim, da natureza
    mais para o Céu que para a terra feito.

    Também do corpo a humana gentileza,
    o bem talhado gesto, que mostrava
    forças iguais e manhas com destreza;

    a cor, que o fresco rosto matizava,
    as rosas, flores novas de alegria,
    com que o Verão as faces adornava;

    tudo os fios da Morte, que desvia
    dos propósitos nossos e salteia,
    cortaram cruamente, quando abria.

    Deixa pois tu, fermosa Citereia,
    do gentil filho e neto de Ciniras
    o pranto pela morte horrenda e feia.

    E tu, dourado Apolo, que suspiras
    pelo crespo Hiacinto, moço caro,
    por quem a clara luz ao mundo tiras:

    vinde e chorai um moço ao mundo raro,
    não de ferino dente vulnerado,
    nem de animal algum que haja reparo,

    mas só do fero imigo traspassado
    que, sem dúvida incerta ou pio medo,
    a vida pôs nas mãos de Marte irado.

    Este tu também, moço Idálio, quedo;
    deixa de dar o venenoso mel
    a beber pelos olhos triste e ledo,

    que já os fermosos olhos de Miguel
    cobertos são do negro e escuro manto
    da lei geral, a todos mais cruel.

    E vós, filhas de Téspis, que do canto
    podeis bem mitigar a lei imensa
    dos irmãos generosos e alto pranto,

    não consintais que façam larga ofensa
    à grande integridade; que, se devem,
    não são águas do dano recompensa.

    Que já diante os olhos me descrevem,
    quando as bocas da fama voadora
    ao pátrio e claro Tejo as novas levam,

    a profunda tristeza que, em üa hora,
    tal posse tomará dos altos peitos
    que a razão quase quase deite fora.

    Ali, de dor, os corações sujeitos
    pesadas lhe serão consolações
    e pesados exemplos e respeitos.

    Pequena é certo a dor, que com razões
    se pôde refrear, nem com memória
    de outros antigos e íntegros varões.

    Mas porém se igualais a vida à glória,
    meu grande Dom Filipe, e pretendeis
    deixar de vossas obras larga história,

    eu não vos admoesto que estreiteis
    o coração na estóica disciplina,
    onde livre de efeitos vos mostreis,

    que mal natura nossa determina
    medo, esperanças, dores e alegria,
    como o Cínico velho nos ensina.

    Imanidade estúpida – diria
    o sulmonense canto – e vil rudeza
    e não sentir efeitos, que a alma cria.

    Porém, se não sentir nada é bruteza,
    e se paixão de vida se consente,
    também o sentir muito é já fraqueza.

    Se dói a opinião do mal presente
    e medo e opinião do mal futuro,
    são, enfim, tudo opiniões da gente.

    O verdadeiro sábio está seguro
    de leves alegrias e de espanto
    de dor, que turba da alma o licor puro.

    Inda antes que aconteça o riso e o pranto
    os tem já no sentido meditados,
    livre está de alvoroço e de quebranto.

    E como de alta torre vê cuidados
    humanos vãos, e aquela diferença
    de ambições e cobiças e pecados,

    todo caso acha nele só presença
    que, como as febres são da carne humana,
    assi os efeitos d'alma são doença.

    Se esta doutrina credes, que é profana,
    ponde os olhos na nossa, que é divina,
    e sobre todas santa e soberana.

    Vereis Arão, que não se contamina
    sobre os montes seus, que defendida
    a dor lhe foi da santa disciplina.

    Não chega a ver parentes, que da vida
    partidos são, que na alma a Deus agrada
    que nenhüa aflição do mundo impida.

    Nós somos geração a Deus dicada
    sacerdotal, que em tempo nenhum deve
    do gentílico culto ser tocada.

    era porque ainda as portas não quebraram
    do Céu sereno aquelas mãos cravadas
    que os antigos contágios alimparam;

    e também por ornar as sempre usadas
    pompas do funeral enterramento
    com públicas exéquias costumadas.

    Esta alta fortaleza e sofrimento,
    como a forte Varão, vos e devido
    e como lei do santo documento.

    Bem conheço que o corpo assi perdido,
    que do sepulcro nobre aqui carece,
    será de aves ou feras consumido.

    Mas também nisto vi que se parece
    co do grão Bisavô, que pela vida
    real a sua às lanças oferece;

    fazendo com seus membros impedida
    a passagem aos feros Tingitanos,
    ficou sem sepultura merecida.

    E lá nos aposentos soberanos
    o recebem da palma coroado,
    desprezando do corpo baixo os danos.

    E ele diz que das gentes enterrado
    qualquer corpo será; mas quem morreu
    por Deus, é só dos Anjos sepultado.

    Que mais rico e fermoso mausoléu,
    que pirâmides altas, que figura
    de mortalha, que chegue a estar no Céu!

    Fácil é a perda aqui da sepultura;
    Diógenes prudente e Teodoro
    pouco sentem de corpo essa jactura.

    Assi fermoso, inteiro, assi decoro,
    adora quem o tem, como o tomou,
    quando se ouvir o extremo som sonoro.

    Mas, oh! que temor súpito ocupou
    vosso peito famoso, ó Portugueses?
    Que pávido temor vos lanceou?

    Que lançadas, que golpes, que reveses
    vos fizeram fazer tamanha injúria
    aos lusitanos bélicos arneses?

    Ou já de Capitão sobeja incúria
    ou a fraqueza? Não, que ele sustentava
    co seu corpo dos bárbaros a fúria.

    Ou do férreo cano a força brava
    com estrondos que atroam mar e terra
    que os corações no peito congelava?

    Ou quem vos fez que os ímpetos da guerra
    não sustenteis com valor sempre ousado,
    desprezando o furor que a vida enterra?

    A vida pela Pátria e pelo Estado
    pondo, vossos Avós a nós deixaram
    terras, mares e exemplo sublimado.

    Eles a desprezar nos ensinaram
    todo o temor; pois como agora os netos,
    supitamente, assi degeneraram?

    Não podem certo, não, viver quietos
    com feia infâmia peitos generosos
    em públicos lugares, nem secretos.

    Mortos os espartanos valerosos
    da fera multidão, fazendo extremos,
    tais epitáfios tinham gloriosos:

    Dirás, hóspede, tu, que aqui jazemos
    passado do inimigo fero, enquanto
    às santas leis da Pátria obedecemos.

    Fugindo os Persas vão com frio espanto,
    mas acham as mulheres no caminho
    amostrando-lhe o ventre sem ter manto:

    «Pois fugis do perigo, que é vizinho,
    fracos! vinde esconder-vos – lhe diziam –
    outra vez no materno, escuro ninho.»

    Vedes quais com mais glória ficariam:
    se aqueles que enfim morrem pelo Estado,
    se os outros, que as mulheres injuriam.

    Mas tu, claro Miguel, que, já acordado
    deste sonho tão breve, estás naquela
    torre do Céu, seguro e repousado,

    onde, com Deus unida a forte e bela
    alma , com teus maiores reluzindo,
    por cada chaga tens üa clara estrela,

    os pés o cristalino Céu medindo,
    pisando essas lucíferas Esferas,
    já da terrena os olhos encobrindo,

    agora um curso e outro consideras,
    agora a verdade dos mortais,
    que tu também passaras, se viveras.
    Mais a pena cantara, a poder mais.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 18 Sep 2020, 07:38

    Ao muito ilustre Senhor D. Leonis Pereira sobre o livro que lhe oferece Pêro de Magalhães; tercetos de Luís de Camões:


    Despois que Magalhães teve tecida
    a breve história sua, que ilustrasse
    a terra Santa Cruz, pouco sabida,

    imaginando a quem a dedicasse,
    ou com cujo favor defenderia
    seu livro de algum zoilo que ladrasse;

    tendo nisto ocupada a fantasia,
    lhe sobreveio um sono repousado,
    antes que o Sol abrisse o claro dia.

    Em sonhos lhe aparece, todo armado,
    Marte, brandindo a lança furiosa,
    com que fez quem o viu todo enfiado,

    dizendo, em voz pesada e temerosa:
    «Não é justo que a outrem se ofereça
    nenhüa obra que possa ser famosa,

    senão a quem por armas resplandeça
    no mundo todo com tal nome e fama
    que louvor imortal sempre mereça.»

    Isto assi dito, Apolo, que da flama
    celeste guia os carros, de outra parte
    se lhe apresenta, e por seu nome o chama,

    dizendo: «Magalhães, posto que Marte
    com seu terror te espante, todavia
    comigo deves só aconselhar-te.

    Um barão sapiente, em quem Talia
    pôs seus tesouros e eu minha ciência,
    defender tuas obras poderia.

    É justo que a escritura na prudência
    ache sua defensão, porque a dureza
    das armas é contrária da eloquência.»

    Assi disse e, tocando com destreza
    a cítara dourada, começou
    de mitigar de Marte a fortaleza.

    Mas Mercúrio, que sempre costumou
    a despartir porfias duvidosas,
    co caduceu na mão, que sempre usou,

    determina compor as perigosas
    opiniões dos deuses inimigos,
    com razões boas, justas e amorosas.

    E disse: «Bem sabemos dos antigos
    heróis e dos modernos, que provaram
    de Belona os gravíssimos perigos,

    que também muitas vezes ajuntaram
    às armas eloquência, porque as Musas
    mil Capitães na guerra acompanharam.

    Nunca Alexandro ou César, nas confusas
    guerras deixaram o estudo em breve espaço;
    nem armas das ciências são escusas.

    Nüa mão livros, noutra ferro e aço:
    a üa rege e ensina, a outra fere;
    mais co saber se vence que co braço.

    Pois logo, barão grande, se requere
    que com teus dões Apolo ilustre seja,
    e de ti, Marte, palma e glória espere.

    Este vos darei eu, em quem se veja
    saber e esforço no sereno peito,
    que é Dom Leonis, que faz ao mundo enveja.

    Deste as Irmãs, em vendo o bom sujeito,
    todas nove nos braços o tomaram,
    criando-o co seu leite no seu leito.

    As artes e ciência lhe ensinaram,
    inclinação divina lhe influíram
    as virtudes morais, que o logo ornaram.

    Daqui os exercícios o seguiram
    das armas no Oriente, onde primeiro
    um soldado gentil instituíram.

    Ali tais provas fez de cavaleiro
    que, de cristão magnânimo e seguro,
    a si mesmo venceu por derradeiro.

    Depois, já capitão forte e maduro,
    governando toda Áurea Quersoneso,
    lhe defendeu co braço o débil muro:

    porque vindo a cercá-la todo o peso
    do poder dos Achéns, que se sustenta
    do sangue alheio, em fúria todo aceso,

    este só que a ti, Marte, representa,
    o castigou de sorte que o vencido
    de ter quem fique vivo se contenta.

    Pois tanto que o grão Reino defendido
    deixou, segunda vez com maior glória
    para o ir governar foi elegido.

    E não perdendo ainda da memória
    os amigos o seu governo brando,
    os imigos o dano da vitória,

    uns, com amor intrínseco, esperando
    estão per ele, e es outros, congelados,
    o vão com temor frio receando.

    Pois vede se serão desbaratados
    de todo por seu braço, se tornasse,
    e dos mares da Índia degradados!

    Porque é justo que nunca lhe negasse
    o conselho do Olimpo alto e subido
    favor e ajuda, com que pelejasse.

    Pois aqui certo está bem dirigido
    de Magalhães o livro, este se deve
    de ser de vós, ó deuses, escolhido.»

    Isto Mercúrio disse; e logo em breve
    se conformaram nisto Apolo e Marte,
    e voou juntamente o sono leve.

    Acorda Magalhães, e já se parte
    a vos oferecer, Senhor famoso,
    tudo o que nele pôs ciência e arte.

    Tem claro estilo, engenho curioso,
    pera poder de vós ser recebido
    com mão benina, de ânimo amoroso.

    Porque se de não ser favorecido,
    um claro esprito fica baixo e escuro:
    e seja ele convosco defendido,
    como o foi de Malaca o fraco muro.


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    Mensaje por Maria Lua Vie 18 Sep 2020, 07:39

    À PAIXÃO DE CRISTO NOSSO SENHOR



    Se quando contemplamos as secretas
    causas, por que o mundo se sustenta,
    o revolver dos céus e dos planetas;

    e se quando a memória se apresenta
    este curso do sol, que é tão medido
    que um ponto só não mingua nem se aumenta;

    aquele efeito, tarde conhecido,
    da lüa, em ser mudável tão constante
    que minguar e crecer é seu partido;

    aquela natureza tão possante
    dos céus, que tão conformes e contrários
    caminham, sem parar um breve instante;

    aqueles movimentos ordinários,
    a que responde o tempo, que não mente,
    cos efeitos da terra necessários;

    se quando, enfim, revolve sutilmente
    tantas cousas a leve fantasia,
    sagaz, escrutadora e diligente;

    vê bem, se da razão só não desvia,
    o altíssimo Ser, puro e divino,
    que tudo pode, manda, move e cria;

    sem fim e sem começo, um ser contino;
    um Padre grande, a quem tudo é possível,
    por mais árduo que seja ao homem indino;

    um saber infinito, incompreensível;
    üa verdade que nas cousas anda,
    que mora no visível e invisível.

    Esta potência, enfim, que tudo manda,
    esta causa das causas, revestida
    foi desta nossa carne miseranda.

    Do amor e da justiça compelida,
    polos erros da gente, em mãos da gente
    – como se Deus não fosse – perde a vida.

    o cristão descuidado e negligente,
    pondera isto que digo, repousado;
    não passes por aqui tão levemente.

    Não, que aquele Deus alto incriado,
    Senhor das cousas todas, que fundou
    o céu, a terra, o fogo e o mar irado,

    não do confuso caos, como cuidou
    a falsa teologia e povo escuro,
    que nesta só verdade tanto errou;

    não dos átomos falsos de Epicuro;
    não do largo oceano, como Tales,
    mas só do pensamento casto e puro.

    Olha, animal humano, quanto vales,
    que por ti este grande Deus padece
    novo modo de morte, novos males.

    Olha que o sol no Olimpo se escurece,
    não por oposição doutro planeta,
    mas só porque virtude lhe falece.

    Não vês que a grande máquina inquieta
    do mundo se desfaz toda em tristeza,
    e não por natural causa secreta?

    Não vês como se perde a natureza;
    o ar se turba; o mar, batendo, geme,
    desfazendo das pedras a dureza?

    Não vês que os montes caem, a terra treme
    e que, até na remota e grande Atenas
    o sábio Dionísio sente e teme?

    Ó sumo Deus, tu mesmo te condenas,
    polo mal em que eu só sou tão culpado,
    a tamanhas afrontas, tantas penas!

    Por mim, Senhor, no mundo reputado
    por falso e por quebrantador da lei,
    a fama a ti se põe de meu pecado.

    eu, Senhor, sou ladrão; tu, sumo Rei;
    eu, só, furtei; tu, com ladrões padeces;
    a pena a ti se dá do que eu pequei.

    Eu, servo sem valor; tu, sumo preço,
    em preço vil te pões, por me tirares
    do cativeiro eterno, que mereço.

    Eu, por perder-te; e tu, por me ganhares,
    te dás aos homens baixos, que te vendem,
    só para os homens presos resgatares.

    A ti, que as almas soltas, a ti prendem;
    a ti, sumo Juiz, ante juízes
    te acusam, polo error dos que te ofendem.

    Chamam-te malfeitor, não contradizes;
    sendo tu dos profetas a certeza,
    dizem que quem te fere profetizes.

    Riem-se de ti; tu choras a crueza
    que sobre eles virá. A gente dura,
    por quem tu vens ao mundo, te despreza.

    O teu rosto, de cuja fermosura
    se veste o céu e o sol resplandecente,
    diante de quem muda está a Natura,

    com cruas bofetadas da vil gente,
    de precioso sangue está banhado
    cuspido, arrepelado cruelmente.

    Aquele corpo tenro e delicado,
    sobre todos os santos sacrossanto,
    de açoutes rigorosos flagelado;

    depois coberto mal de um pobre manto,
    que se pegava às carnes magoadas,
    para dobrar-lhe as dores outro tanto.

    Magoavam-no as chagas não curadas,
    um tormento causando-lhe, excessivo,
    ao despir pelas mãos cruéis e iradas.

    As santíssimas barbas de Deus vivo,
    de resplandor ornadas, lhe arrancavam,
    para desempenhar Adão cativo.

    Com cordas pelas ruas o levavam,
    levando sobre os ombros o troféu
    das vitórias que as almas alcançavam.

    e tu que passas, homem cireneu,
    ajuda um pouco este Homem verdadeiro,
    que agora como humano enfraqueceu!

    Olha que o corpo, aflito do marteiro
    e dos longos jejuns debilitado,
    não pode já co peso do madeiro.

    Oh! Não enfraqueçais, Deus encarnado!
    Essas quedas, que tanto vos magoam,
    suportai, Cavaleiro sublimado!

    Que aquelas altas vozes que lá soam,
    dos padres são que estão no Limbo escuro,
    que já de louro e palma vos coroam.

    Todos vos bradam que subais ao muro
    da cidade infernal, e que arvoreis
    em cima essa bandeira mui seguro.

    Oh Santos Padres, não vos apresseis,
    que muito mais a Deus que a vós custaram
    essas duras prisões em que jazeis!

    Aquelas mãos, que o mundo edificaram,
    aqueles pés, que pisam as estrelas,
    com duríssimos pregos se encravaram.

    Mas qual será a pessoa, que as querelas
    da angustiada Virgem contemplasse,
    que não se mova a dor e a mágoa delas,

    e que dos olhos seus não estilasse
    tanta cópia de lágrimas ardentes
    que carreiras no rosto assinalasse?

    Oh! Quem lhe vira os olhos refulgentes
    desfazendo-se em lágrimas, regando
    aquelas belas faces excelentes!

    Quem a vira cos gritos ir tocando
    as estrelas, a quem responde o Céu,
    cos acentos dos Anjos retumbando!

    Quem vira quando o claro rosto ergueu
    a ver o Filho, que na Cruz pendia,
    donde a nossa saúde descendeu!

    Que mágoas tão chorosas que diria!
    Que palavras tão míseras e tristes
    para o Céu, para a gente espalharia!

    Pois que seria, Virgem, quando vistes
    com fel nojoso e com vinagre amaro
    matar a sede ao Filho que paristes?

    Não era este o licor suave e claro
    que, para o confortar, então daríeis
    a quem vos era, mais que a vida, caro.

    Como, Virgem Senhora, não corríeis
    a dar tetas puras ao Cordeiro
    que padecer na Cruz com sede víeis?

    Não só era esse, Senhora, o verdadeiro
    poto, que vosso Filho desejava,
    morrendo polo mundo num madeiro;

    mas era a salvação, que ali ganhava
    para o mísero Adão, que ali bebia
    na fonte, que do peito lhe manava.

    Pois, ó pura e Santíssima Maria,
    que enfim sentistes esta mágoa, quanto
    a gravidade dela o requeria;

    dessa Fonte sagrada e peito santo
    me alcançai üa gota, com que lave
    a culpa, que me agrava e pesa tanto.

    Do licor salutífero e suave
    me abrangei, com que mate a sede dura
    deste mundo tão cego, torpe e grave.

    Assi, Senhora, toda a criatura
    que vive e viverá, que não conhece
    a Lei do vosso Filho, santa e pura;

    o falsíssimo herege, que carece
    da graça, e com danado e falso esprito
    perturba a Santa Igreja, que florece;

    o povo pertinaz, no antigo rito,
    que só o desterro seu, que tanto dura,
    lhe diz que é pena igual ao seu delito;

    o torpe Ismaelita, que mistura
    as leis, e com preceitos viciosos
    na terra estende a seita falsa, impura;

    os idólatras maus, supersticiosos,
    vários de opiniões e de costume,
    levados de conceitos fabulosos;

    as mais remotas gentes, onde o lume
    da nossa fé não chega, nem que tenham
    religião algüa se presume;

    assi todos, enfim, Senhora, venham
    confessar um só Deus crucificado,
    e por nenhum respeito se detenham.

    Mas de todos o vício já passado,
    o Seu nome co vosso, neste dia,
    seja por todo mundo celebrado;
    e respondam os Céus: JESUS, MARIA.


    _________________



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    "Ser como un verso volando
    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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