Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Mar Dic 27, 2022 12:39 pm

    ORFANDADE


    A MENINA de preto ficou morando atrás do tempo,
    sentada no banco, debaixo da árvore,
    recebendo todo o céu nos grandes olhos admirados.

    Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido,
    e parou diante dela, e ela, sem que ninguém falasse,
    murmurou: «A MAMÃE MORREU».

    Já ninguém passa mais, e ela não fala mais, também.
    O olhar caíu dos seus olhos, e está no chão, com as outras pedras,
    escutando na terra aquele dia que não dorme
    com as três palavras que ficaram por alí.


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    y en ese vuelo y en ese sueño
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    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Mar Dic 27, 2022 12:41 pm

    ALVA


    DEIXEI meus olhos sòzinhos
    nos degraus da sua porta.
    Minha bôca anda cantando,
    mas todo o mundo está vendo
    que a minha vida está morta.

    Seu rosto nasceu das ondas
    e em sua bôca há uma estrêla.
    Minha mão viveu mil vidas
    para uma noite encontrá-la
    e noutra noite perdê-la.

    Caminhei tantos caminhos,
    tanto tempo e não sabia
    como era fácil a morte
    pela seta do silêncio
    no sangue de uma alegria.

    Seus olhos andam cobertos
    de côres da primavera.
    Pelos muros de seu peito,
    durante inúteis vigílias,
    desenhei meus sonhos de hera.

    Desenho, apenas, do tempo,
    cada dia mais profundo,
    roteiro do pensamento,
    saüdade das esperanças
    quando se acabar o mundo...




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    Mensaje por Maria Lua Sáb Dic 31, 2022 12:15 pm

    CANTIGUINHA

    MEUS OLHOS eram mesmo água,
    — te juro —
    mexendo um brilho vidrado,
    verde-claro, verde-escuro.

    Fiz barquinhos de brinquedo,
    — te juro —
    fui botando todos êles
    naquele rio tão puro.
    .....................
    Veiu vindo a ventania,
    — te juro —
    as águas mudam seu brilho,
    quando o tempo anda inseguro.

    Quando as águas escurecem,
    — te juro —
    todos os barcos se perdem,
    entre o passado e o futuro.

    São dois rios os meus olhos,
    — te juro —
    noite e dia correm, correm,
    mas não acho o que procur
    o.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Dic 31, 2022 12:24 pm

    TERRA


    DEUSA dos olhos volúveis
    pousada na mão das ondas:
    em teu colo de penumbras,
    abri meus olhos atónitos
    .
    Surgi do meio dos túmulos,
    para aprender o meu nome.

    Mamei teus peitos de pedra
    constelados de prenúncios.
    Enredei-me por florestas,
    entre cânticos e musgos.
    Soltei meus olhos no eléctrico
    mar azul, cheio de músicas.

    Desci na sombra das ruas,
    como pelas tuas veias:
    meu passo — a noite nos muros —
    casas fechadas — palmeiras —
    cheiro de chácaras húmidas —
    sono da existência efêmera.

    O vento das praias largas
    mergulhou no teu perfume
    a cinza das minhas máguas.
    E tudo caíu de súbito,
    junto com o corpo dos náufragos,
    para os invisíveis mundos.

    Vi tantos rôstos ocultos
    de tantas figuras pálidas!
    Por longas noites inúmeras,
    em minha assombrada cara
    houve grandes rios mudos
    como os desenhos dos mapas
    .
    Tinhas os pés sobre flôres,
    e as mãos prêsas, de tão puras.
    Em vão, suspiros e fomes
    cruzavam teus olhos múltiplos,
    despedaçando-se anônimos,
    diante da tua altitude.

    Fui mudando minha angústia
    numa fôrça heróica de asa.
    Para construir cada músculo,
    houve universos de lágrimas.
    Devo-te o modêlo justo:
    sonho, dor, vitória e graça.

    No rio dos teus encantos,
    banhei minhas amarguras.
    Purifiquei meus enganos,
    minhas paixões, minhas dúvidas.
    Despi-me do meu desânimo —
    fui como ninguém foi nunca.

    Deusa dos olhos volúveis,
    rôsto de espêlho tão frágil,
    coração de tempo fundo,
    — por dentro das tuas máscaras,
    meus olhos, sérios e lúcidos,
    viram a beleza amarga.

    E êsse foi o meu estudo
    para o ofício de ter alma;
    para entender os soluços,
    depois que a vida se cala.
    — Quando o que era muito é único
    e, por ser único, é tácito


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Dic 31, 2022 12:26 pm

    ÊXTASE

    DEIXA-TE estar embalado no mar noturno
    onde se apaga e acende a salvação.

    Deixa-te estar na exalação do sonho sem forma:
    em redor do horizonte, vigiam meus braços abertos,
    e por cima do céu estão pregados meus olhos, guardando-te.

    Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saüdade.
    Deslisam os planetas, na abundância do tempo que cai.
    Nós somos um tênue pólen dos mundos...

    Deixa-te estar neste embalo de água geando círculos.
    Nem é preciso dormir, para a imaginação desmanchar-se em figuras
    ambíguas.

    Nem é preciso fazer nada, para se estar na alma de tudo.

    Nem é preciso querer mais, que vem de nós um beijo eterno
    e afoga a bôca da vontade e os seus pedidos...




    49

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    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 01, 2023 3:02 pm

    SOM

    ALMA divina,
    por onde me andas?
    Noite sòzinha,
    lágrimas, tantas!

    Que sôpro imenso,
    alma divina,
    em esquecimento
    desmancha a vida!

    Deixa-me ainda
    pensar que voltas,
    alma divina,
    coisa remota!

    Tudo era tudo
    quando eras minha,
    e eu era tua,
    alma divina!


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    Mensaje por Maria Lua Miér Ene 04, 2023 12:54 am

    Retrato em luar


    Meus olhos ficam neste parque,
    minhas mãos no musgo dos muros,
    para o que um dia vier buscar-me,
    entre pensamentos futuros.

    Não quero pronunciar teu nome,
    que a voz é o apelido do vento,
    e os graus da esfera me consomem
    toda, no mais simples momento.

    São mais duráveis a hera, as malvas,
    que a minha face deste instante.
    Mas posso deixá-la em palavras,
    gravada num tempo constante.

    Nunca tive os olhos tão claros
    e o sorriso em tanta loucura.
    Sinto-me toda igual às arvores:
    solitária, perfeita e pura.

    Aqui estão meus olhos nas flores,
    meus braços ao longo dos ramos:
    e, no vago rumor das fontes,
    uma voz de amor que sonhamos.



    ****************


    Retrato en luz de luna


    Mis ojos se quedan en este parque,
    mis manos en el musgo de los muros,
    para quien un día venga a buscarme
    entre pensamientos futuros.

    No quiero pronunciar tu nombre,
    que es la voz y el clamor del viento,
    y los grados de la esfera me consumen
    entera, en el más simple momento.

    Son más duraderas la yedra, las malvas,
    que mi rostro de este instante.
    Pero puedo dejarlo en palabras,
    grabadas en un tiempo constante.

    Nunca tuve los ojos tan claros
    y la sonrisa en tanta locura.
    Me siento entera igual a los árboles:
    solitaria, perfecta y pura.

    Aquí están mis ojos en las flores,
    mis brazos a lo largo de los ramos:
    y, en el vago rumor de las fuentes,
    una voz de amor que soñamos.




    Del poemario "Retrato Natural" (1949)
    Cecília Meireles (1901-1964)
    Traducción: Juan Martín


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    Mensaje por Maria Lua Jue Ene 05, 2023 1:01 am

    INTERLUDIO


                           Las palabras están muy dichas
                        y el mundo muy pensado.
                        Quedo a tu lado,

                           No me digas que hay futuro
                        ni pasado.
                        Deja el presente, es un muro
                        sin cosas escritas, claro.

                           Deja el presente.  No hables,
                        no me explsiques el presente,
                        que el total es demasiado.

                            En aguas de eternamente
                        el cometa de mis males
                        se hunde ya, desarbolado.
                        Quedo a tu lado.




                                 (De “Vaga música” 1942)


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    Mensaje por Maria Lua Jue Ene 05, 2023 12:55 pm

    Cecilia Meireles



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    EPIGRAMA Nº 3

    Mutilados jardins e primaveras abolidas
    abriram seus miraculosos ramos
    no cristal em que pousa a minha mão.

    (Prodigioso perfume!)

    Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas...

    Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
    só da incerteza da ressureição.


    *****************


    EPIGRAMA Nº 3

    Mutilados jardines y primaveras abolidas
    abrieron sus milagrosos ramos
    en el cristal en que se posa mi mano.

    (¡Prodigioso perfume!)

    Se recompusieron tiempos, formas, colores, vidas...

    ¡Ah! mundo vegetal, nosotros, humanos, lloramos
    sólo por la incertidumbre de la resurrección.




    Traducción de Pedro Casas Serra


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    Mensaje por Maria Lua Jue Ene 05, 2023 11:29 pm

    GUITARRA

    PUNHAL de prata já eras,
    punhal de prata!
    Nem fôste tu que fizeste
    a minha mão insensata.

    Vi-te brilhar entre as pedras,
    punhal de prata!
    — no cabo, flores abertas,
    no gume, a medida exata,

    a exata, a medida certa,
    punhal de prata,
    para atravessar-me o peito
    com uma letra e uma data.

    A maior pena que eu tenho,
    punhal de prata,
    não é de me ver morrendo,
    mas de saber quem me mata


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Jue Ene 05, 2023 11:30 pm

    DISTÂNCIA


    QUANDO o sol ia acabando
    e as águas mal se moviam,
    tudo que era meu chorava
    da mesma melancolia.
    Outras lágrimas nasceram
    com o nascimento do dia:
    só de noite esteve sêco
    meu rosto sem alegria.
    (Talvez o sol que acabara
    e as águas que se perdiam
    transportassem minha sombra
    para a sua companhia...)
    Oh!
    mas nem no sol nem nas águas
    os teus olhos a veriam...
    — que andam longe, irmãos da lua,
    muito clara e muito fria...





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    y en ese vuelo y en ese sueño
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    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Jue Ene 05, 2023 11:31 pm

    EPIGRAMA N.o 5


    GOSTO de gota d'água que se equilibra
    na fôlha rasa, tremendo ao vento.

    Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
    e ela resiste, no isolamento.

    Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
    pronto a cair, pronto a ficar — límpido e exato.

    E a fôlha é um pequeno deserto
    para a imensidade do acto.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 08, 2023 10:51 pm

    CAMPO

    CAMPO da minha saüdade:
    vai crescendo, vai subindo,
    de tanto jazer sem nada.

    Desvêlo mudo e contínuo
    que vai revestido os montes
    e estendendo outros caminhos.

    Mergulhada em suas frondes,
    a tristeza é uma esperança
    bebendo a vazia sombra.

    Águas que vão caminhando
    dispersam nos mares fundos
    mel de beijo e sal de pranto.

    Levam tudo, levam tudo
    agasalhado em seus braços
    Campo imenso — com o meu vulto...
    E ao longe cantam os pássaros.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 08, 2023 10:52 pm

    RIMANCE


    ONDE é que dói na minha vida,
    para que eu me sinta tão mal?
    quem foi que me deixou ferida
    de ferimento tão mortal?
    Eu parei diante da paisagem:

    e levava uma flor na mão.
    Eu parei diante da paisagem
    procurando um nome de imagem
    para dar à minha canção.
    Nunca existiu sonho tão puro

    como o da minha timidez.
    Nunca existiu sonho tão puro,
    nem também destino tão duro
    como o que para mim se fez.
    Estou caída num vale aberto,

    entre serras que não teem fim.
    Estou caída num vale aberto:
    nunca ninguém passará perto,
    nem terá notícias de mim.
    Eu sinto que não tarda a morte,

    e só há por mim esta flor:
    eu sinto que não tarda a morte
    e não sei com é que suporte
    tanta solidão sem pavor.
    E sofro mais ouvindo um rio

    que ao longe canta pelo chão,
    que deve ser límpido e frio,
    mas sem dó nem recordação,
    como a voz cujo murmúrio
    morrerá com o meu coração.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 08, 2023 10:53 pm

    RENÚNCIA


    RAMA das minhas árvores mais altas,
    deixa ir a flor! que o tempo, ao desprendê-la,
    roda-a no molde de noites e de albas
    onde gira e suspira cada estrêla.

    Deixa ir a flor! deixa-a ser asa, espaço,
    ritmo, desenho, música absoluta,
    dando e recuperando o corpo esparso
    que, indo e vindo, se observa, e ordena, e escuta...

    Falo-te, por saber o que é perder-se.
    Conheço o coração da primavera,
    e o dom secreto do seu sangue verde,
    que num breve perfume existe e espera.

    Vertí para infinitos desamparos
    tudo que tive no meu pensamento.
    Por onde anda? No abismo. Dada ao vento...
    Era a flor dos instantes mais amargos





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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 09, 2023 9:39 pm

    PAUSA



    AGORA é como depois de um entêrro.
    Deixa-me neste leito, do tamanho do meu corpo,
    junto à parêde lisa, de onde brota um sono vazio.

    A noite desmancha o pobre jôgo das variedades.
    Pousa a linha do horizonte entre as minhas pestanas,
    e mergulha silêncio na última veia da esperança.

    Deixa tocar êsse grilo invisível
    — mercúrio tremendo na palma da sombra —
    deixa-o tocar a sua música, suficiente
    para cortar todo arabesco da memória...


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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 09, 2023 9:39 pm

    VINHO

    A TAÇA foi brilhante e rara,
    mas o vinho de que bebí
    com os meus olhos postos em ti,
    era de total amargura.

    Desde essa hora antiga e preclara,
    insensìvelmente descí,
    e em meu pensamento sentí
    o desgôsto de ser criatura.

    Eu sou de essência etérea e clara:
    no entanto, desde que te ví,
    como que desapareci...
    Rondo triste, à minha procura.

    A taça foi brilhante e rara:
    mas, com certeza enlouquecí.
    E dêsse vinho que bebí
    se originou minha loucura.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 09, 2023 9:40 pm

    VALSA


    FEZ TANTO luar que eu pensei nos teus olhos antigos
    e nas tuas antigas palavras.
    O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
    que tormei a viver contigo enquanto o vento passava.

    Houve uma noite que cintilou sôbre o teu rosto
    e modelou tua voz entre as algas.
    Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
    e estudo apenas o ar e as águas.

    Coitado de quem pôs sua esperança
    nas praias fóra do mundo...
    — Os ares fogem, viram-se as águas,
    mesmo as pedras, com o tempo, mudam.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 09, 2023 9:42 pm

    GRILO

    MÁQUINA de ouro a rodar na sombra,
    serra de cristal a serrar estrêlas...
    Caem pedaços de sono, entre os silêncios,

    em grandes flores, mornas e dóceis,
    com o pêso e a côr de vagas borboletas.

    Rostos de espuma, nomes de cinza,
    — a vida sobe nos caules da noite, pouco a pouco.

    Máquina de ouro tremendo no ar de vidro frio,
    cortando o brôto das palavras rente à bôca...

    Demanchando nos dedos arquitecturas que iam parando,
    e livros de imagens que o vento compunha, ilògicamente.

    Ah! que é dos ramos de estrêlas finamente desprendidas,
    pela sonora lâmina que estás vibrando sempre, sempre?

    Que é das noites extensas, de ares mansos de alegrias,
    sem ruas, sem habitantes, sem solidão, sem pensamento?

    Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo
    e caídas também na torrente do tempo?



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    Mensaje por Maria Lua Lun Ene 09, 2023 9:44 pm

    DESCRIÇÃO


    HÁ UMA água clara que cai sôbre pedras escuras
    e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

    Há uma noite por onde passam grandes estrêlas puras.
    Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

    Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
    e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia
    .
    E a água cai, refletindo estrêlas, céu, folhagem...
    Cai para sempre!

    E duas mãos nela mergulham com tristeza,
    deixando um esplendor sôbre a sua passagem.

    (Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
    nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
    para fóra da natureza,
    onde não chegará nunca esta água imprecisa,
    que nasce e deslisa, que nasce e deslisa...)



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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 10, 2023 4:46 pm

    EPIGRAMA N.o 6


    NESTAS pedras caíu, certa noite, uma lágrima.
    O vento que a secou deve estar voando noutros países,
    o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira,
    — esteve sôbre ela, mas não viu seu esplendor.

    Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram
    verão, junto ao universo, como foram infelizes,
    que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira,
    — tudo quanto era dar, — a tudo que era opôr.


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 10, 2023 4:46 pm

    ATITUDE

    MINHA esperança perdeu seu nome...
    Fechei meu sonho, para chamá-la.
    A tristeza transfigurou-me
    como o luar que entra numa sala.

    O último passo do destino
    parará sem forma funesta,
    e a noite oscilará como um dourado sino
    derramando flores de festa.

    Meus olhos estarão sôbre espêlhos, pensando
    nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

    E um campo de estrêlas irá brotando
    atrás das lembranças ardentes.


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 10, 2023 4:48 pm

    CORPO NO MAR


    ÁGUA DENSA do sonho, quem navega?
    Contra as auroras, contra as baías:
    barca imóvel, estrêla cega.

    Bate o vento na vela e não a arqueia.
    — Não foi por mim!
    Partiram-se as cordas, rodaram os mastros,
    os remos entraram por dentro da areia...

    Os remos torceram-se, e trançaram raízes.
    — Inútil forçá-los — alastram-se, fogem
    na sombra secreta de eternos países...
    Mudou-se a vela em nuvem clara!

    Choraram meus olhos, minhas mãos correram...
    — Alto e longe! — Não foi por mim...
    E apenas pára
    um corpo na barca vazia,
    à mercê das metamorfoses,
    olhos vertendo melancolia...

    O vento sopra no coração.
    Adeus a todos os meridianos!
    Deito-me como num caixão.

    Ah! sobrevive o mar no meu ouvido...
    «Marinheiro! Marinheiro!»
    (Ilhas...Pássaros...Portos... — nêsse ruído,
    66
    — O mar...O mar!...O mar inteiro!...)

    Mas é tempo perdido!


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 10, 2023 4:49 pm

    LUAR

    FACE do muro tão plana,
    com o sabugueiro florido.

    O luar parece que abana
    as ramagens na parede.

    A noite tôda é um zumbido
    e um florir de vagalumes.

    A bôca morre de sêde
    junto à frescura dos galhos.

    Andam nascendo os perfumes
    na sêda crespa dos cravos.

    Brota o sono dos canteiros
    como o cristal dos orvalhos.




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    Mensaje por Maria Lua Miér Ene 11, 2023 12:54 pm

    Ó vitórias, festas, flores
    das lutas da Independência!
    Liberdade - essa palavra,
    que o sonho humano alimenta:
    que não há ninguém que explique,
    e ninguém que não entenda!)
    E a vizinhança não dorme:
    murmura, imagina, inventa.
    Não fica bandeira escrita,
    mas fica escrita a sentença."



    Fragmento do Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência (Cecília Meireles)
    "Romanceiro da Inconfidência", Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro, 1965, pág. 70.


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    Mensaje por Maria Lua Vie Ene 13, 2023 6:13 pm

    DIÁLOGO



    MINHAS palavras são a metade de um diálogo obscuro
    continuado através de séculos impossíveis.
    Agora compreendo o sentido e a ressonância
    que também trazes de tão longe em tua voz.
    Nossas perguntas e respostas se reconhecem
    como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
    Conversamos dos dois extremos da noite,
    como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...
    E um mar de estrêlas se balança entre o meu pensamento e o teu.
    Mas um mar sem viagens.


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Vie Ene 13, 2023 6:14 pm

    ESTRÊLA



    QUEM VIU aquele que se inclinou sôbre palavras trémulas,
    de relêvo partido e de contôrno perturbado,
    querendo achar lá dentro o rôsto que dirige os sonhos,
    para ver si era o seu que lhe tivessem arrancado?
    Quem foi que o viu passar com sues ímãs insones,
    buscando o polo que girava sempre no vento?
    — Seus olhos iam nos pés, destruindo tôdas as raízes líricas,
    e em suas mãos sangrava o pensamento.
    E era o seu rôsto, sim, que estava entre versos andróginos,
    prêso em círculos de ar, sôbre um instante de festa!
    Bôca fechada sob flores venenosas,
    e uma estrêla de cinza na testa.
    Bem que êle quis chamar pelo seu nome em voz muito alta,
    — mas o desejo não foi além do seu pescoço.
    E ficou diante de sua cabeça, estruturando-se
    como o frio dentro de um pôço.
    E não poude contar a ninguém seu fim quimérico.
    A ninguém. Pois a língua que fôra sua estava morta,
    e êle era um prisioneiro entre paredes transparentes,
    entre paredes transparentes, mas sem porta.
    Disto êle soube. O que nunca entendeu, porém, e o que lhe amarra
    o coração com ardents cordas de desgôsto
    é aquela estrêla de cinza — aquela estrêla grande e plácida —
    derramando sombra em seu rôsto.


    _________________



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    Mensaje por Maria Lua Vie Ene 13, 2023 6:18 pm

    DESVENTURA



    TU ÉS como o rôsto das rosas:
    diferente em cada pétala.

    Onde estava o teu perfume? Ninguém soube.
    Teu lábio sorriu para todos os ventos
    e o mundo inteiro ficou feliz.

    Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
    como um segrêdo que cai do sonho.

    Depois, abri as mãos, — e perdeu-se.

    Agora, creio que vou morrer.






    *****************
    Desventura


    ERES como el rostro de las rosas:
    diferente en cada pétalo.

    ¿Dónde estaba tu perfume? Nadie lo supo.
    Tu labio sonreía a todos los vientos
    y el mundo entero estaba feliz.

    Yo, solo yo, encontré la gota de rocío que te alimentaba,
    como un secreto que cae de un sueño.

    Entonces abrí mis manos, y se perdió.

    Ahora creo que voy a morir.




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    69


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 17, 2023 11:11 pm

    NOTURNO

    VOLTO a cabeça para a montanha
    e abandono os pés para o mar.
    — Coitado de quem está sòzinho
    e inventa sonhos com que sonhar!

    Minhas tranças descem pela casa abaixo,
    entram nas paredes, vão te procurar.
    Envolvem teu corpo, beijam-te os ouvidos.
    — Querido, querido, devias voltar.

    Meus braços caminham pelas ruas quietas:
    — caminho de rios, fluidez de luar... —
    levam minhas mãos por todo o seu corpo:
    — Querido, querido, devias voltar.

    Partem os meus olhos, parte a minha bôca,
    Na noite deserta, ninguém vê passar,
    pedaço a pedaço, minha vida inteira,
    nem na tua casa me escutam chegar.

    Meu quarto vazio só pensa que durmo.
    ..
    Coitado de quem está sòzinho
    e assiste o seu próprio sonhar!


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    Mensaje por Maria Lua Mar Ene 17, 2023 11:12 pm

    NOÇÕES

    ENTRE MIM e mim, há vastidões bastantes
    para a navegação dos meus desejos afligidos.
    Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.

    Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.
    Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
    só recolho o gôsto infinito das respostas que não se encontram.

    Virei-me sôbre a minha própria existência, e contemplei-a.
    Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,

    e êste abandono para além da felicidade e da beleza.
    Oh! meu Deus, isto é a minha alma:

    qualquer coisa que flutua sôbre êste corpo efêmero e precário,
    como o vento largo do oceano sôbre a areia passiva e inúmera...


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