Aires de Libertad

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    Mensaje por Maria Lua Sáb Ago 29, 2020 8:15 pm

    Leilão de jardim


    Quem me compra um jardim
    com flores?
     
    borboletas de muitas
    cores,
     
    lavadeiras e pas-
    sarinhos,
     
    ovos verdes e azuis
    nos ninhos?
     
    Quem me compra este ca-
    racol?
     
    Quem me compra um raio
    de sol?
     
    Um lagarto entre o muro
    e a hera,
     
    uma estátua da Pri-
    mavera?
     
    Quem me compra este for-
    migueiro?
     
    E este sapo, que é jar-
    dineiro?
     
    E a cigarra e a sua
    canção?
     
    E o grilinho dentro
    do chão?
     
    (Este é meu leilão!)
     


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Dom Ago 30, 2020 1:45 am

    Gargalhada
     
    Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
    Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
    Dobra essa orelha grosseira, e escuta
    o ritmo e o som da minha gargalhada:


    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!


    Não vês?
    É preciso jogar por escadas de mármores baixelas de ouro.
    Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
    vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
    destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
    e atirar para longe os pandeiros e as liras...


    O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.


    Mas é preciso ter baixelas de ouro,
    compreendes?
    — e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
    E as lâmpadas, Deus do céu!
    E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trêmulas...


    Escuta bem:


    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!


    Só de três lugares nasceu até hoje essa música heróica:
    do céu que venta,
    do mar que dança,
    e de mim.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Ago 31, 2020 12:20 am

    De um lado cantava o sol
     
    De um lado cantava o sol,
    do outro, suspirava a lua.
    No meio, brilhava a tua
    face de ouro, girassol!
     
    Ó montanha da saudade
    a que por acaso vim:
    outrora, foste um jardim,
    e és, agora, eternidade!
    De longe, recordo a cor
    da grande manhã perdida.
    Morrem nos mares da vida
    todos os rios do amor?
     
    Ai! celebro-te em meu peito,
    em meu coração de sal,
    Ó flor sobrenatural,
    grande girassol perfeito!
     
    Acabou-se-me o jardim!
    Só me resta, do passado,
    este relógio dourado
    que ainda esperava por mim . . .
     


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    Mensaje por Maria Lua Miér Sep 02, 2020 5:19 am

    Máquina breve
     
    O pequeno vaga-lume
    com sua verde lanterna,
    que passava pela sombra
    inquietando a flor e a treva
    — meteoro da noite, humilde,
    dos horizontes da relva;
    o pequeno vaga-lume,
    queimada a sua lanterna,
    jaz carbonizado e triste
    e qualquer brisa o carrega:
    mortalha de exíguas franjas
    que foi seu corpo de festa.
     
    Parecia uma esmeralda
    e é um ponto negro na pedra.
    Foi luz alada, pequena
    estrela em rápida seta.
    Quebrou-se a máquina breve
    na precipitada queda.
    E o maior sábio do mundo
    sabe que não a conserta.
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 06, 2020 9:38 pm

    Suavíssima
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    No céu de outono, anda um langor final de pluma
    Que se desfaz por entre os dedos, vagamente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma . . .
     
    Fica-se longe, quase morta, como ausente . . .
    Sem ter certeza de ninguém . . . de coisa alguma . . .
    Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,
     
    De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma . . .
    E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    A alma das flores, suave e tácita, perfuma
    A solitude nebulosa e irreal do ambiente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    Tão para lá! . . . No fim da tarde . . . além da bruma . . .
     
    E silenciosos, como alguém que se acostuma
    A caminhar sobre penumbras, mansamente,
    Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma . . .
     
    Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma . . .
    E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 06, 2020 11:44 pm

    Romance XXI ou das idéias
     
    A vastidão desses campos.
    A alta muralha das serras.
    As lavras inchadas de ouro.
    Os diamantes entre as pedras.
    Negros, índios e mulatos.
    Almocrafes e gamelas.
     
    Os rios todos virados.
    Toda revirada, a terra.
    Capitães, governadores,
    padres intendentes, poetas.
    Carros, liteiras douradas,
    cavalos de crina aberta.
    A água a transbordar das fontes.
    Altares cheios de velas.
    Cavalhadas. Luminárias.
    Sinos, procissões, promessas.
    Anjos e santos nascendo
    em mãos de gangrena e lepra.
    Finas músicas broslando
    as alfaias das capelas.
    Todos os sonhos barrocos
    deslizando pelas pedras.
    Pátios de seixos. Escadas.
    Boticas. Pontes. Conversas.
    Gente que chega e que passa.
    E as idéias.
     
    Amplas casas. Longos muros.
    Vida de sombras inquietas.
    Pelos cantos da alcovas,
    histerias de donzelas.
    Lamparinas, oratórios,
    bálsamos, pílulas, rezas.
    Orgulhosos sobrenomes.
    Intrincada parentela.
    No batuque das mulatas,
    a prosápia degenera:
    pelas portas dos fidalgos,
    na lã das noites secretas,
    meninos recém-nascidos
    como mendigos esperam.
    Bastardias. Desavenças.
    Emboscadas pela treva.
    Sesmarias, salteadores.
    Emaranhadas invejas.
    O clero. A nobreza. O povo.
    E as idéias.
     
    E as mobílias de cabiúna.
    E as cortinas amarelas.
    Dom José. Dona Maria.
    Fogos. Mascaradas. Festas.
    Nascimentos. Batizados.
    Palavras que se interpretam
    nos discursos, nas saúdes . . .
    Visitas. Sermões de exéquias.
    Os estudantes que partem.
    Os doutores que regressam.
    (Em redor das grandes luzes,
    há sempre sombras perversas.
    Sinistros corvos espreitam
    pelas douradas janelas.)
    E há mocidade! E há prestígio.
    E as idéias.
     
    As esposas preguiçosas
    na rede embalando as sestas.
    Negras de peitos robustos
    que os claros meninos cevam.
    Arapongas, papagaios,
    passarinhos da floresta.
    Essa lassidão do tempo
    entre imbaúbas, quaresmas,
    cana, milho, bananeiras
    e a brisa que o riacho encrespa.
    Os rumores familiares
    que a lenta vida atravessam:
    elefantíase; partos;
    sarna; torceduras; quedas;
    sezões; picadas de cobras;
    sarampos e erisipelas . . .
    Candombeiros. Feiticeiros.
    Ungüentos. Emplastos. Ervas.
    Senzalas. Tronco. Chibata.
    Congos. Angolas. Benguelas.
    Ó imenso tumulto humano!
    E as idéias.
     
    Banquetes. Gamão. Notícias.
    Livros. Gazetas. Querelas.
    Alvarás. Decretos. Cartas.
    A Europa a ferver em guerras.
    Portugal todo de luto:
    triste Rainha o governa!
    Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!
    E sugestões indiscretas:
    Tão longe o trono se encontra!
    Quem no Brasil o tivera!
    Ah, se Dom José II
    põe a coroa na testa!
    Uns poucos de americanos,
    por umas praias desertas,
    já libertaram seu povo
    da prepotente Inglaterra!
    Washington. Jefferson. Franklin.
    (Palpita a noite, repleta
    de fantasmas, de presságios . . .)
    E as idéias.
     
    Doces invenções da Arcádia!
    Delicada primavera:
    pastoras, sonetos, liras,
    — entre as ameaças austeras
    de mais impostos e taxas
    que uns protelam e outros negam.
    Casamentos impossíveis.
    Calúnias. Sátiras. Essa
    paixão da mediocridade
    que na sombra se exaspera.
    E os versos de asas douradas,
    que amor trazem e amor levam . . .
    Anarda. Nise. Marília . . .
    As verdades e as quimeras.
    Outras leis, outras pessoas.
    Novo mundo que começa.
    Nova raça. Outro destino.
    Planos de melhores eras.
    E os inimigos atentos,
    que, de olhos sinistros, velam.
    E os aleives. E as denúncias.
    E as idéias.


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    Mensaje por Maria Lua Mar Sep 08, 2020 12:25 am

    Encomenda
     
    Desejo uma fotografia
    como esta — o senhor vê? — como esta:
    em que para sempre me ria
    como um vestido de eterna festa.


    Como tenho a testa sombria,
    derrame luz na minha testa.
    Deixe esta ruga, que me empresta
    um certo ar de sabedoria.


    Não meta fundos de floresta
    nem de arbitrária fantasia...
    Não... Neste espaço que ainda resta,
    ponha uma cadeira vazia.

     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 5:31 am

    Mapa de anatomia: o olho
     
    O Olho é uma espécio de globo,
    é um pequeno planeta
    com pinturas do lado de fora.
    Muitas pinturas:
    azuis, verdes, amarelas.
    É um globobrilhante:
    parece cristal,
    é como um aquário com plantas
    finamente desenhadas: algas, sargaços,
    miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.
     
    Mas por dentro há outras pinturas,
    que não se vêem:
    umas são imagens do mundo,
    outras são invetadas.
     
    O Olho é um teatro por dentro.
    E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
    e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
    formam, no Olho, lágrimas.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 5:32 am

    Cronista enamorado do sagüim
     
    O sagüim é um animalzinho assaz bonito:
    é mesmo o mais bonito de todos, pela selva;
    anda nas árvores, esconde-se, espia, foge depressa
    e há deles, na terra viçosa, número infinito.
     
    Se qualquer rei da Europa o visse, gostaria
    de possuí-lo como um brinquedo, vindo de longe, e raro.
    Mas é o sagüim animalzinho tão delicado
    que a uma viagem tão longa não resistiria.
     
    A cara do sagüim é como a de um leãozinho,
    e pode-se conseguir que ele pouse no nosso ombro.
    O sagüim mais bonito de todos é o sagüim louro,
    que tem uma expressão de inteligência e carinho.
     
    Ele pode descer a comer à nossa mão! Graciosa
    é a sua maneira de olhar. Gracioso é o movimento do seu corpo inteiro,
    tão leve e breve! Mas os melhores, só no Rio de Janeiro
    se encontram: se encontram apenas nesta cidade, a mui formosa.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 5:32 am

    Presença em Pompéia
     
    Esta conta não pagarás:
    — ficará sob uma cinza que não sabes.
     
    Sob a cinza que ainda não sabes
    ficará teu filho por nascer
    e também os meninos que já sabiam desenhar nos muros.
     
    Ficarão os figos que ontem puseste na cesta.
    Ficarão as pinturas da tua sala
    e as plantas do teu jardim, de estátuas felizes,
    sob a cinza que não sabes.
     
    Os gladiadores anunciados não lutarão
    e amanhã não verás, próximo às termas,
    a mulher que desejavas.
     
    Tu ficarás com a chave da tua porta na mão;
    tu, com o rosto da amada no peito;
    amo e servo se unirão, no mesmo grito;
    os cães se debaterão com mordaças de lava;
    a mão não poderá encontrar a parede;
    os olhos não poderão ver a rua.
     
    As cinzas que não sabes voarão sobre Apolo e Ísis.
    É uma noite ardente, a que se prepara,
    enquanto a luz contorna a coluna e o jato d'água:
    — a luz do sol que afaga pela última vez as roseiras verdes.
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 7:09 pm

    Discurso
     
    E aqui estou, cantando.


    Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
    deixa seu ritmo por onde passa.


    Venho de longe e vou para longe:
    mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
    e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
    andaram.


    Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
    mas houve sempre muitas nuvens.
    E suicidaram-se os operários de Babel.


    Pois aqui estou, cantando.


    Se eu nem sei onde estou,
    como posso esperar que algum ouvido me escute?


    Ah! Se eu nem sei quem sou,
    como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
     


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 8:06 pm

    Gargalhada
     
    Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
    Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
    Dobra essa orelha grosseira, e escuta
    o ritmo e o som da minha gargalhada:


    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!


    Não vês?
    É preciso jogar por escadas de mármores baixelas de ouro.
    Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
    vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
    destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
    e atirar para longe os pandeiros e as liras...


    O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.


    Mas é preciso ter baixelas de ouro,
    compreendes?
    — e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
    E as lâmpadas, Deus do céu!
    E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trêmulas...


    Escuta bem:


    Ah! Ah! Ah! Ah!
    Ah! Ah! Ah! Ah!


    Só de três lugares nasceu até hoje essa música heróica:
    do céu que venta,
    do mar que dança,
    e de mim.
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 8:10 pm

    Encomenda
     
    Desejo uma fotografia
    como esta — o senhor vê? — como esta:
    em que para sempre me ria
    como um vestido de eterna festa.


    Como tenho a testa sombria,
    derrame luz na minha testa.
    Deixe esta ruga, que me empresta
    um certo ar de sabedoria.


    Não meta fundos de floresta
    nem de arbitrária fantasia...
    Não... Neste espaço que ainda resta,
    ponha uma cadeira vazia.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 8:16 pm

    Interlúdio
     
    As palavras estão muito ditas
    e o mundo muito pensado.
    Fico ao teu lado.


    Não me digas que há futuro
    nem passado.
    Deixa o presente — claro muro
    sem coisas escritas.


    Deixa o presente. Não fales,
    Não me expliques o presente,
    pois é tudo demasiado.


    Em águas de eternamente,
    o cometa dos meus males
    afunda, desarvorado.


    Fico ao teu lado.
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 10:11 pm

    Atitude

    Minha esperança perdeu seu nome...
    Fechei meu sonho, para chamá-la.
    A tristeza transfigurou-me
    como o luar que entra numa sala.


    O último passo do destino
    parará sem forma funesta,
    e a noite oscilará como um dourado sino
    derramando flores de festa.


    Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
    nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.


    E um campo de estrelas irá brotando
    atrás das lembranças ardentes.


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 11:01 pm

    Fio

    No fio da respiração,
    rola a minha vida monótona,
    rola o peso do meu coração.


    Tu não vês o jogo perdendo-se
    como as palavras de uma canção.


    Passas longe, entre nuvens rápidas,
    com tantas estrelas na mão...


    — Para que serve o fio trêmulo
    em que rola o meu coração?
     


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    Mensaje por Maria Lua Dom Sep 13, 2020 11:27 pm

    Suavíssima
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    No céu de outono, anda um langor final de pluma
    Que se desfaz por entre os dedos, vagamente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma . . .
     
    Fica-se longe, quase morta, como ausente . . .
    Sem ter certeza de ninguém . . . de coisa alguma . . .
    Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,
     
    De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma . . .
    E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    A alma das flores, suave e tácita, perfuma
    A solitude nebulosa e irreal do ambiente . . .
     
    Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
    Tão para lá! . . . No fim da tarde . . . além da bruma . . .
     
    E silenciosos, como alguém que se acostuma
    A caminhar sobre penumbras, mansamente,
    Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma . . .
     
    Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma . . .
    E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
     


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    Mensaje por Maria Lua Lun Sep 14, 2020 2:44 am

    Máquina breve
     
    O pequeno vaga-lume
    com sua verde lanterna,
    que passava pela sombra
    inquietando a flor e a treva
    — meteoro da noite, humilde,
    dos horizontes da relva;
    o pequeno vaga-lume,
    queimada a sua lanterna,
    jaz carbonizado e triste
    e qualquer brisa o carrega:
    mortalha de exíguas franjas
    que foi seu corpo de festa.
     
    Parecia uma esmeralda
    e é um ponto negro na pedra.
    Foi luz alada, pequena
    estrela em rápida seta.
    Quebrou-se a máquina breve
    na precipitada queda.
    E o maior sábio do mundo
    sabe que não a conserta.
     


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    Mensaje por Maria Lua Lun Sep 14, 2020 4:32 am

    Romance II ou do ouro incansável
     
    Mil bateias vão rodando
    sobre córregos escuros;
    a terra vai sendo aberta
    por intermináveis sulcos;
    infinitas galerias
    penetram morros profundos.
     
    De seu calmo esconderijo,
    o ouro vem, dócil e ingênuo;
    torna-se pó, folha, barra,
    prestígio, poder, engenho . . .
    É tão claro! — e turva tudo:
    honra, amor e pensamento.
     
    Borda flores nos vestidos,
    sobe a opulentos altares,
    traça palácios e pontes,
    eleva os homens audazes,
    e acende paixões que alastram
    sinistras rivalidades.
     
    Pelos córregos, definham
    negros a rodar bateias.
    Morre-se de febre e fome
    sobre a riqueza da terra:
    uns querem metais luzentes,
    outros, as redradas pedras.
     
    Ladrões e contrabandistas
    estão cercando os caminhos;
    cada família disputa
    privilégios mais antigos;
    os impostos vão crescendo
    e as cadeias vão subindo.
     
    Por ódio, cobiça, inveja,
    vai sendo o inferno traçado.
    Os reis querem seus tributos,
    — mas não se encontram vassalos.
    Mil bateias vão rodando,
    mil bateias sem cansaço.
     
    Mil galerias desabam;
    mil homens ficam sepultos;
    mil intrigas, mil enredos
    prendem culpados e justos;
    já ninguém dorme tranqüilo,
    que a noite é um mundo de sustos.
     
    Descem fantasmas dos morros,
    vêm almas dos cemitérios:
    todos pedem ouro e prata,
    e estendem punhos severos,
    mas vão sendo fabricadas
    muitas algemas de ferro.
     


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    Mensaje por Maria Lua Lun Sep 14, 2020 11:47 pm

    O canteiro está molhado


    O canteiro está molhado.
     
    Trarei flores do canteiro,
     
    Para cobrir o teu sono.
     
    Dorme, dorme, a chuva desce,
     
    Molha as flores do canteiro.
     
    Noite molhada de chuva,
     
    Sem vento, nem ventania,
     
    Noite de mar e lembranças..."
     


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    Mensaje por Maria Lua Lun Sep 14, 2020 11:47 pm

    É preciso não esquecer nada
     
    É preciso não esquecer nada:
    nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
    nem o sorriso para os infelizes
    nem a oração de cada instante.
     
    É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
    nem o céu de sempre.
     
    O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
    o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
     
    O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
    a idéia de recompensa e de glória.
     
    O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
    vigiados pelos próprios olhos
    severos conosco, pois o resto não nos pertence.
     
    (1962)


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    Mensaje por Maria Lua Vie Sep 18, 2020 10:42 pm

    Murmúrio


    Traze-me um pouco das sombras serenas
    que as nuvens transportam por cima do dia!
    Um pouco de sombra, apenas,
    - vê que nem te peço alegria.


    Traze-me um pouco da alvura dos luares
    que a noite sustenta no teu coração!
    A alvura, apenas, dos ares:
    - vê que nem te peço ilusão.


    Traze-me um pouco da tua lembrança,
    aroma perdido, saudade da flor!
    - Vê que nem te digo - esperança!
    - Vê que nem sequer sonho - amor!


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    Mensaje por Maria Lua Vie Sep 18, 2020 10:43 pm

    Balada das dez bailarinas do cassino
     
    Dez bailarinas deslizam
    por um chão de espelho.
    Têm corpos egípcios com placas douradas,
    pálpebras azuis e dedos vermelhos.
    Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
    e dobram amarelos joelhos.


    Andam as dez bailarinas
    sem voz, em redor das mesas.
    Há mãos sobre facas, dentes sobre flores
    e com os charutos toldam as luzes acesas.
    Entre a música e a dança escorre
    uma sedosa escada de vileza.


    As dez bailarinas avançam
    como gafanhotos perdidos.
    Avançam, recuam, na sala compacta,
    empurrando olhares e arranhando o ruído.
    Tão nuas se sentem que já vão cobertas
    de imaginários, chorosos vestidos.


    A dez bailarinas escondem
    nos cílios verdes as pupilas.
    Em seus quadris fosforescentes,
    passa uma faixa de morte tranqüila.
    Como quem leva para a terra um filho morto,
    levam seu próprio corpo, que baila e cintila.


    Os homens gordos olham com um tédio enorme
    as dez bailarinas tão frias.
    Pobres serpentes sem luxúria,
    que são crianças, durante o dia.
    Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
    embalsamados de melancolia.


    Vão perpassando como dez múmias,
    as bailarinas fatigadas.
    Ramo de nardos inclinando flores
    azuis, brancas, verdes, douradas.
    Dez mães chorariam, se vissem
    as bailarinas de mãos dadas.
     
    (in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)
     


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    Mensaje por Maria Lua Vie Oct 02, 2020 4:44 am



    O canteiro está molhado


    O canteiro está molhado.
     
    Trarei flores do canteiro,
     
    Para cobrir o teu sono.
     
    Dorme, dorme, a chuva desce,
     
    Molha as flores do canteiro.
     
    Noite molhada de chuva,
     
    Sem vento, nem ventania,
     
    Noite de mar e lembranças..."
     


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    Mensaje por Maria Lua Jue Oct 08, 2020 9:24 pm

    Interlúdio
     
    As palavras estão muito ditas
    e o mundo muito pensado.
    Fico ao teu lado.


    Não me digas que há futuro
    nem passado.
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    Não me expliques o presente,
    pois é tudo demasiado.


    Em águas de eternamente,
    o cometa dos meus males
    afunda, desarvorado.


    Fico ao teu lado.


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    Mensaje por Maria Lua Sáb Oct 10, 2020 4:25 am

    Máquina breve
     
    O pequeno vaga-lume
    com sua verde lanterna,
    que passava pela sombra
    inquietando a flor e a treva
    — meteoro da noite, humilde,
    dos horizontes da relva;
    o pequeno vaga-lume,
    queimada a sua lanterna,
    jaz carbonizado e triste
    e qualquer brisa o carrega:
    mortalha de exíguas franjas
    que foi seu corpo de festa.
     
    Parecia uma esmeralda
    e é um ponto negro na pedra.
    Foi luz alada, pequena
    estrela em rápida seta.
    Quebrou-se a máquina breve
    na precipitada queda.
    E o maior sábio do mundo
    sabe que não a conserta.
     


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    CECILIA MEIRELES  - Página 11 Empty Re: CECILIA MEIRELES

    Mensaje por Maria Lua Sáb Oct 10, 2020 7:04 pm

    Obras de Cecília Meireles


    • Espectros, poesia (1919)

    • Nunca Mais... e Poema dos Poemas (1923)

    • Baladas Para El-Rei, poesia (1925)

    • Viagem, poesia (1925)

    • Viagem, poesia (1939)

    • Vaga Música, poesia (1942)

    • Mar Absoluto, poesia (1945)

    • Evocação Lírica de Lisboa, prosa (1948)

    • Retrato Natural, poesia (1949)

    • Doze Noturnos de Holanda, poesia (1952)

    • Romanceiro da Inconfidência, poesia (1953)

    • Pequeno Oratório de Santa Clara, poesia (1955)

    • Pístóia, Cemitério Militar Brasileiro, poesia (1955)

    • Canção, poesia (1956)

    • Giroflê, Giroflá, prosa (1956)

    • Romance de Santa Cecília, poesia (1957)

    • A Rosa, poesia (1957)

    • Eternidade em Israel, prosa (1959)

    • Metal Rosicler, poesia (1960)

    • Poemas Escritos Na Índia (1962)

    • Antologia Poética, poesia (1963)

    • Ou Isto Ou Aquilo, poesia (1965)

    • Escolha o Seu Sonho, crônica (1964)



    _________________



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    "Ser como un verso volando
    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Mar Oct 13, 2020 7:20 pm

    Epitáfio da navegadora








    A Gastón Figueira


    Se te perguntarem quem era
    essa que às areias e gelos
    quis ensinar a primavera;


    e que perdeu seus olhos pelos
    mares sem deuses desta vida,
    sabendo que, de assim perdê-los,


    ficaria também perdida;
    e que em algas e espumas presa
    deixou sua alma agradecida;


    essa que sofreu de beleza
    e nunca desejou mais nada;
    que nunca teve uma surpresa


    em sua face iluminada,
    dize: “Eu não pude conhecê-la,
    sua história está mal contada,


    mas seu nome, de barca e estrela,
    foi: SERENA DESESPERADA”.



    Cecília Meireles
    Vaga Música (1942)







             EPITAFIO DE LA NAVEGADORA
     
                                A Gastón Figueira


             Si te preguntaron quién era
             ésa que a hielos y arenales
             quiso enseñar la primavera:



             Y que sus ojos fue esparciendo
             por los mares sin dioses de esta vida,
             sabiendo que, de así perderlos,



             Quedaría también perdida;
             y que en algas y espumas presa
             dejó su alma agradecida;



             Ésa que sufrió de belleza
             y que nunca deseó más nada
             y nunca tuvo uma sorpresa



             en su faz toda iluminada,
             di t~u: "No pude conocerla;
             está su historia mal contada,


             mas su nombre de barca y estella
             fue: SIRENA DESESPERADA."






            
                      (Apud Lucia Contreras y Livia Ramh,
                      Mensaje del Brasil: Algunos Poetas, Buenos Aires,    1975)


    _________________



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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Mensaje por Maria Lua Miér Oct 14, 2020 8:42 pm

    Do mar ao céu azul para onde sobem
     
     
    Do mar ao céu azul para onde sobem
    de azul a azul, estas escadas
    pássaros antigos caídos
    com suas asas encarnadas
    ainda abertas, ainda estendidas,
    em si mesmas desmoronadas...
     
    Ó castelos de cavaleiros,
    sangue e poeira das Cruzadas.
    O mar e o céu nas aberturas
    destas paredes arrombadas.
    Os rostos, não, nem grito ou lança.
    Mas, entre o azul e o azul, escadas.
     
                                                                      Setembro, 1962


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    Mensaje por Maria Lua Miér Oct 14, 2020 9:16 pm

    Mapa falso



    Quantas coisas pensei sublimes,
    merecedoras de longas lágrimas !
    Quais eram ?
    As lágrimas recordo
    e as pensativas planícies
    por onde estenderam seus longos rios,
    mas não levam nenhuma voz essas águas.
     
    Tudo foi afogado e sepulto.
    Maiores que as coisas choradas
    eram as lágrimas que as choraram.
     
    E sua imagem, de longe, é uma solidão sem mais nenhum sentido:
    mapa falso que a nossa viagem abandona,
    pois vamos sempre além de tudo, para mais longe.
     
    (1957)
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    ***************


    “MAPA FALSO”


    ¡Cuántas cosas pensé que eran sublimes,
    merecedoras de abundantes lágrimas!
    ¿Cuáles eran? Las lágrimas del recuerdo,
    y las pensativas planicies
    por donde extendieron sus largos ríos.
    Mas no llevan ninguna voz, esas aguas.
    Todo fue ahogado y sepultado.
    Mayores que las cosas lloradas
    eran las lágrimas que las lloraron.
    Y a distancia,
    su imagen es una soledad ya sin sentido,
    mapa falso que nuestro viaje abandona,
    pues vamos siempre más allá de todo, más lejos…


    _________________



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