FLOR-DE-LÓTUS
No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.
– Rabindranath Tagore, em “Poesia”.. [selecção e tradução de José Agostinho Baptista]. Coleção Documenta poética. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004.
§
Prenda
Ó meu amor, que prenda
Devo dar-te quando amanhecer?
Uma canção da manhã?
Mas a manhã não dura sempre –
O calor do sol
Murcha como uma flor
E as canções que cansam
Estão feitas.
Ó amigo, quando chegaste ao meu portão
Ao crepúsculo
Que perguntaste?
Que hei-de trazer-te?
Uma luz?
Um candedeeiro de um canto secreto da minha casa silenciosa?
Mas quererás levá-lo contigo
Pela estrada povoada?
Ah,
O vento há-de apagá-lo.
Sejam quais forem as prendas que te possa dar,
Que sejam flores,
Que sejam pérolas para o teu pescoço,
E como te podem agradar
Se com o tempo hão-de murchar,
Desfazer-se, perder o brilho?
Tudo o que as minhas mãos pudessem colocar nas tuas
Deslizará entre os dedos
E cairá esquecido no pó
Para em pó se tornar.
É melhor,
Quando estiveres ociosa,
Que deambules pelo meu jardim na primavera
E deixes um aroma de flor desconhecido e oculto sobressaltar-te com súbito encanto –
Deixar esse momento deslocado
Ser a minha prenda.
Ou se, quando perscrutares a sombria avenida por onde caminhas,
De repente, enfeitiçada
Pelas espessas tranças do anoitecer
Um simples e trémulo reflexo da luz do poente te detiver,
Transforma os teus sonhos em ouro,
E deixa que a luz seja uma inocente
Prenda.
O mais autêntico tesouro desaparece;
Brilha um instante, e depois vai-se.
Não diz o seu nome; a sua melodia
Barra-nos o caminho, a sua dança desaparece
Com o estremecimneto de um tornozelo.
Não conheço outra maneira –
Nenhuma mão, nenhuma palavra o pode alcançar.
Amiga, leves o que levares,
Sozinha,
Sem perguntar, sem saber, deixa que
Seja tua.
Qualquer coisa que eu te possa dar é insignificante –
Seja uma flor, seja uma canção.
– Rabindranath Tagore, em “Poesia”. [selecção e tradução de José Agostinho Baptista]. Coleção Documenta poética. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004.
§
Julgamento
Não julgues…
Habitas num recanto mínimo desta terra.
Os teus olhos chegam
Até onde alcançam muito pouco…
Ao pouco que ouves
Acrescentas a tua própria voz.
Mantém o bem e o mal, o branco e o negro,
Cuidadosamente separados.
Em vão traças uma linha
Para estabelecer um limite.
Se houver uma melodia escondida no teu interior,
Desperta-a quando percorreres o caminho.
Na canção não há argumento,
Nem o apelo do trabalho…
A quem lhe agradar responderá,
A quem lhe agradar não ficará impassível.
Que importa que uns homens sejam bons
E outros não o sejam?
São viajantes do mesmo caminho.
Não julgues,
Ah, o tempo voa
E toda a discussão é inútil.
Olha, as flores florescem à beira do bosque,
Trazendo uma mensagem do céu,
Porque é um amigo da terra;
Com as chuvas de Julho
A erva inunda a terra de verde,
E enche a sua taça até à borda.
Esquecendo a identidade,
Enche o teu coração de simples alegria.
Viajante,
Disperso ao longo do caminho,
O tesouro amontoa-se à medida que caminhas.
– Rabindranath Tagore, em “Poesia”. [selecção e tradução de José Agostinho Baptista]. Coleção Documenta poética. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004.
§
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