Aires de Libertad

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    FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:48 am

    385.


    Névoa ou fumo? Subia da terra ou descia do céu? Não se sabia: era mais
    como uma doença do ar que uma descida ou uma emanação. Por vezes
    parecia mais uma doença dos olhos do que uma realidade da natureza.
    Fosse o que fosse ia por toda a paisagem uma inquietação turva, feita de
    esquecimento e de atenuação. Era como se o silêncio do mau sol tomasse para
    seu um corpo imperfeito. Dir-se-ia que ia acontecer qualquer coisa e que por
    toda a parte havia uma intuição pela qual o visível se velava .

    Era difícil dizer se o céu tinha nuvens ou antes névoa. Era um torpor baço,
    aqui e ali colorido, um acinzentamento imponderavelmente amarelado, salvo
    onde se esboroava em cor-de-rosa falso, ou onde estagnava azulescendo, mas
    aí não se distinguia se era o céu que se revelava, se era outro azul que o
    encobria.

    Nada era definido, nem o indefinido. Por isso apetecia chamar fumo à
    névoa, por ela não parecer névoa, ou perguntar se era névoa ou fumo, por
    nada se perceber do que era. O mesmo calor do ar colaborava na dúvida. Não
    era calor, nem frio, nem fresco; parecia compor a sua temperatura de
    elementos tirados de outras coisas que o calor. Dir-se-ia, deveras, que uma
    névoa fria aos olhos era quente ao tato, como se tato e vista fossem dois
    modos sensíveis do mesmo sentido.

    Nem era, em torno dos contornos das árvores, ou das esquinas dos
    edifícios, aquele esbater de recortes ou de arestas, que a verdadeira névoa traz,
    estagnando, ou o verdadeiro fumo, natural, entreabre e entrescurece. Era
    como se cada coisa projetasse de si uma sombra vagamente diurna, em todos
    os sentidos, sem luz que a explicasse como sombra, sem lugar de projeção que
    a justificasse como visível.


    Nem visível era: era como um começo de ir a ver-se qualquer coisa, mas em
    toda a parte por igual, como se o a revelar hesitasse em ser aparecido.
    E que sentimento havia? A impossibilidade de o ter, o coração desfeito na
    cabeça, os sentimentos confundidos, um torpor da existência desperta, um
    apurar de qualquer coisa anímica como o ouvido para uma revelação
    definitiva, inútil, sempre a aparecer já, como a verdade, sempre, como a
    verdade, gémea de nunca aparecer.


    Até a vontade de dormir, que lembra ao pensamento, desapetece por
    parecer um esforço o mero bocejo de a ter. Até deixar de ver faz doer os
    olhos. E, na abdicação incolor da alma inteira, só os ruídos exteriores, longe,
    são o mundo impossível que ainda existe.
    Ah, outro mundo, outras coisas, outra alma com que senti-las, outro
    pensamento com que saber dessa alma! Tudo, até o tédio, menos este esfumar
    comum da alma e das coisas, este desamparo azulado da indefinição de tudo!


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:49 am

    386.


    Caminhávamos, juntos e separados, entre os desvios bruscos da floresta.
    Os nossos passos, que era o alheio de nós, iam unidos, porque uníssonos, na
    macieza estalante das folhas, que juncavam, amarelas e meio-verdes, a
    irregularidade do chão. Mas iam também disjuntos porque éramos dois
    pensamentos, nem havia entre nós de comum senão que o que não éramos
    pisava uníssono o mesmo solo ouvido.

    Tinha entrado já o princípio do outono, e, além das folhas que pisávamos,
    ouvíamos cair continuamente, no acompanhamento brusco do vento, outras
    folhas, ou sons de folhas, por toda a parte onde íamos ou havíamos ido. Não
    havia mais paisagem senão a floresta que velava todas. Bastava, porém, como
    sítio e lugar para os que, como nós, não tínhamos por vida senão o caminhar
    uníssono e diverso sobre um solo mortiço. Era — creio — o fim de um dia,
    ou de qualquer dia, ou porventura de todos os dias, num outono todos os
    outonos, na floresta simbólica e verdadeira.

    Que casas, que deveres, que amores havíamos largado — nós mesmos o
    não saberíamos dizer. Não éramos, nesse momento, mais que caminhantes
    entre o que esquecêramos e o que não sabíamos, cavaleiros a pé do ideal
    abandonado. Mas nisso, como no som constante das folhas pisadas, e no som
    sempre brusco do vento incerto, estava a razão de ser da nossa ida, ou da
    nossa vinda, pois, não sabendo o caminho ou porque o caminho, não
    sabíamos se partíamos se chegávamos. E sempre, em torno nosso, sem lugar
    sabido ou queda vista, o som das folhas que escombravam adormecia de
    tristeza a floresta.

    Nenhum de nós queria saber do outro, porém nenhum de nós sem ele
    prosseguiria. A companhia que nos fazíamos era uma espécie de sono que
    cada um de nós tinha. O som dos passos uníssonos ajudava cada um a pensar
    sem o Outro, e os próprios passos solitários tê-lo-iam despertado. A floresta
    era toda clareiras falsas, como se fosse falsa, ou estivesse acabando, mas nem
    acabava a falsidade, nem acabava a floresta. Os nossos passos uníssonos
    seguiam constantes, e em torno do que ouvíamos das folhas pisadas ia um
    som vago de folhas caindo, na floresta tornada tudo, na floresta igual ao
    universo.

    Quem éramos? Seríamos dois ou duas formas de um? Não o sabíamos nem
    o perguntávamos. Um sol vago devia existir, pois na floresta não era noite.
    Um fim vago devia existir, pois caminhávamos. Um mundo qualquer devia
    existir, pois existia uma floresta. Nós, porém, éramos alheios ao que fosse ou
    pudesse ser, caminheiros uníssonos e intermináveis sobre folhas mortas,
    ouvidores anónimos e impossíveis de folhas caindo. Nada mais.

    Um sussurro,
    ora brusco ora suave, do vento incógnito, um murmúrio, ora alto ora baixo,
    das folhas presas, um resquício, uma dúvida, um propósito que findara, uma
    ilusão que nem fora — a floresta, os dois caminheiros, e eu, eu, que não sei
    qual deles era, ou se era ou dois, ou nenhum, e assisti, sem ver o fim, à
    tragédia de não haver nunca mais do que o outono e a floresta, e o vento
    sempre brusco e incerto, e as folhas sempre caídas ou caindo. E sempre,
    como se por certo houvesse fora um sol e um dia, via-se claramente, para fim
    nenhum, no silêncio rumoroso da floresta


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:50 am

    387.


    Suponho que seja o que chamam um decadente, que haja em mim, como
    definição externa do meu espírito, essas lucilações tristes de uma estranheza
    postiça que incorporam em palavras inesperadas uma alma ansiosa e malabar.
    Sinto que sou assim e que sou absurdo. Por isso busco, por uma imitação de
    uma hipótese dos clássicos, figurar ao menos num a matemática expressiva as
    sensações decorativas da minha alma substituída.

    Em certa altura da cogitação
    escrita, já não sei onde tenho o centro da atenção — se nas sensações
    dispersas que procuro descrever, como a tapeçarias incógnitas, se nas palavras
    com que, querendo descrever a própria descrição, me embrenho, me
    descaminho e vejo outras coisas. Formam-se em mim associações de ideias, de
    imagens, de palavras — tudo lúcido e difuso -, e tanto estou dizendo o que
    sinto, como o que suponho que sinto, nem distingo o que a alma me sugere
    do que as imagens, que a alma deixou cair, me enfloram no chão, nem até, se
    um som de palavra bárbara, ou um ritmo de frase interposta, me não tiram do
    assunto já incerto, da sensação já em parque, e me absolvem de pensar e de
    dizer, como grandes viagens para distrair. E isto tudo, que, se o repito, deveria
    dar-me uma sensação de futilidade, de falência, de sofrimento, não conseguem
    senão dar-me asas de ouro.

    Desde que falo de imagens, talvez porque fosse a
    condenar o abuso delas, nascem-me imagens; desde que me ergo de mim para
    repudiar o que não sinto, eu o estou sentindo já e o próprio repúdio é uma
    sensação com bordados; desde que, perdida enfim a fé no esforço, me quero
    abandonar ao extravio, um termo clássico’, um adjetivo espacial e sóbrio,
    fazem-me de repente, como uma luz de sol, ver clara diante .de mim a página
    escrita dormentemente, e as letras da minha tinta da caneta são um mapa
    absurdo de sinais mágicos. E deponho-me como à caneta, e traço a capa de
    me reclinar sem nexo, longínquo, intermédio e súcubo, final como um
    náufrago afogando-se à vista de ilhas maravilhosas, em aqueles mesmos mares
    doirados de violeta que em leitos remotos verdadeiramente sonhara.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:50 am

    388.


    Tornar puramente literária a recetividade dos sentidos, e as emoções,
    quando acaso inferiorizem, convertê-las em matéria aparecida para com elas
    estátuas se esculpirem de palavras fluidas e lambentes .


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:53 am

    389.


    O lema que hoje mais requeiro para definição do meu espírito é o de
    criador de indiferenças. Mais do que outra, queria que a minha ação pela vida
    fosse de educar os outros a sentir cada vez mais para si próprios, e cada vez
    menos segundo a lei dinâmica da coletividade... Educar naquela anti-sepsia
    espiritual pela qual não podia haver contágio de vulgaridade, parece-me o mais
    constelado destino do pedagogo íntimo que eu queria ser. Que quantos me
    lessem aprendessem — pouco embora, como o assunto manda — a não ter
    sensação nenhuma perante os olhares alheios e as opiniões dos outros, esse
    destino engrinaldaria suficientemente a estagnação da minha vida.

    A
    impossibilidade de agir foi sempre em mim uma moléstia com etiologia
    metafísica. Fazer um gesto foi sempre, para o meu sentimento das coisas, uma
    perturbação, um desdobramento, no universo exterior; mexer-me deu-me
    sempre a impressão que não deixaria intactas as estrelas nem os céus sem
    mudanças. Por isso a importância metafísica do mais pequeno gesto cedo
    tomou um relevo atónito dentro de mim. Adquiri perante agir um escrúpulo
    de honestidade transcendental, que me inibe, desde que o fixei na minha
    consciência, de ter relações muito acentuadas com o mundo palpável


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 8:58 am

    390.


    Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam
    o homem superior.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 9:01 am

    391.


    Desde que, conforme posso, medito e observo, tenho reparado que em
    nada os homens sabem a verdade, ou estão de acordo, que seja realmente
    supremo na vida ou útil ao vivê-la. A ciência mais exata é a matemática, que
    vive na clausura das suas próprias regras e leis; serve, sim, de, por aplicação,
    elucidar outras ciências, mas elucida o que estas descobrem, não as ajuda a
    descobrir. Nas outras ciências não é certo e aceite senão o que nada pesa para
    os fins supremos da vida.

    A física sabe bem qual é o coeficiente da dilatação
    do ferro; não sabe qual é a verdadeira mecânica da constituição do mundo. E
    quanto mais subimos no que desejaríamos saber, mais descemos no que
    sabemos. A metafísica, que seria o guia supremo porque é ela e só ela que se
    dirige aos fins supremos da verdade e da vida — essa nem é teoria científica,
    senão somente um monte de tijolos formando, nestas mãos ou naquelas, casas
    de nenhum feitio que nenhuma argamassa liga.

    Reparo, também, que entre a
    vida dos homens e a dos animais não há outra diferença que não a da maneira
    como se enganam ou a ignoram. Não sabem os animais o que fazem: nascem,
    crescem, vivem, morrem sem pensamento, reflexo ou verdadeiramente futuro.
    Quantos homens, porém, vivem de modo diferente do dos animais?

    Dormimos todos, e a diferença está só nos sonhos, e no grau e qualidade de
    sonhar. Talvez a morte nos desperte, mas a isso também não há resposta
    senão a da fé, para quem crer é ter, a da esperança, para quem desejar é
    possuir, a da caridade, para quem dar é receber.

    Chove, nesta tarde fria de inverno triste, como se houvesse chovido, assim
    monotonamente, desde a primeira página do mundo. Chove, e os meus
    sentimentos, como se a chuva os vergasse, dobram seu olhar bruto para a
    terra da cidade, onde corre uma água que nada alimenta, que nada lava, que
    nada alegra. Chove, e eu sinto subitamente a opressão imensa de ser um
    animal que não sabe o que é, sonhando o pensamento e a emoção, encolhido,
    como num tugúrio, numa região espacial do ser, contente de um pequeno
    calor como de uma verdade eterna.


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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 9:02 am

    392.

    O povo é bom tipo
    .
    O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do
    povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada
    tanto quanto possível, dos interesses alheios.
    Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e
    quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a
    minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo,
    acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja
    existência a civilização deriva.

    Existir é renegar. Que sou hoje, vivendo hoje, senão a renegação do que fui
    ontem, de quem fui ontem? Existir é desmentir-se. Não há nada mais
    simbólico da vida do que aquelas notícias dos jornais que desmentem hoje o
    que o próprio jornal disse ontem.
    Querer é não poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder.
    Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer. Creio que estes
    princípios são fundamentais.
    393


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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 9:03 am

    393.


    Reles como os fins da vida que vivemos, sem que queiramos nós tais fins.
    A maioria, se não a totalidade, dos homens vive uma vida reles, reles em
    todas as suas alegrias, e reles em quase todas as suas dores, salvo naquelas que
    se fundamentam na morte, porque nessas colabora o Mistério .


    Oiço, coados pela minha desatenção, os ruídos que sobem fluidos e
    dispersos, como ondas interfluentes ao acaso e de fora como se viessem de
    outro mundo: gritos de vendedores, que vendem o natural, como hortaliça, ou
    o social, como as cautelas; riscar redondo de rodas — carroças e carros
    rápidos por saltos -; automóveis, mais ouvidos no movimento que no giro; o
    tal sacudir de qualquer coisa pano a qualquer janela; o assobio do garoto; a
    gargalhada do andar alto; o gemido metálico do elétrico na outra rua; o que de
    misturado emerge do transversal; subidas, baixas, silêncios do variado;
    trovões trôpegos do transporte; alguns passos; princípios, meios e fins de
    vozes — e tudo isto existe para mim, que durmo pensá-lo, como uma pedra
    entre erva, em qualquer modo espreitando de fora de lugar.

    Depois, e ao lado, é de dentro de casa que os sons confluem com os outros:
    os passos, os pratos, a vassoira, a cantiga interrompida (meio fado ); a véspera
    na combinação da sacada; a irritação do que falta na mesa; o pedido dos
    cigarros que ficaram em cima da cómoda — tudo isto é a realidade, a realidade
    anafrodisíaca que não entra na minha imaginação.
    Leves os passos da criada ajudante, chinelos que revisiono de trança
    encarnada e preta, e, se assim os visiono, o som toma qualquer coisa da trança
    encarnada e preta; seguros, firmes, os passos de bota do filho de casa que sai e
    se despede alto, com o bater da porta cortando o eco do logo que vem depois
    do até; um sossego, como se o mundo acabasse neste quarto andar alto; ruído
    de loiça que vai para se lavar; correr de água; "então não te disse que"... E o
    silêncio apita do rio.

    Mas eu modorro, digestivo e imaginador. Tenho tempo, entre sinestesias. E
    é prodigioso pensar que eu não quereria, se agora perguntassem e eu
    respondesse, melhor breve vida que estes lentos minutos, esta nulidade do
    pensamento, da emoção, da ação, quase da mesma sensação, o ocaso-nato da
    vontade dispersa. E então reflito, quase sem pensamento, que a maioria, se
    não a totalidade, dos homens assim vive, mais alto ou mais baixo, parados ou
    a andar, mas com a mesma modorra para os fins últimos, o mesmo abandono
    dos propósitos formados, a mesma sensação da vida. Sempre que vejo um
    gato ao sol lembra-me a humanidade. Sempre que vejo dormir lembro-me que
    tudo é sono. Sempre que alguém me diz que sonhou, penso se pensa que
    nunca fez senão sonhar. O ruído da rua cresce, como se uma porta se abrisse,
    e tocam a campainha.
    O que foi era nada, porque a porta se fechou logo. Os passos cessam no
    fim do corredor. Os pratos lavados erguem a voz de água e louça. ...


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    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
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    Mensaje por Maria Lua Lun Nov 28, 2022 9:04 am

    394.


    E assim como sonho, raciocino se quiser, porque isso é apenas uma outra
    espécie de sonho.
    Príncipe de melhores horas, outrora eu fui tua princesa, e amámo-nos com
    um amor de outra espécie, cuja memória me dói.



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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 11, 2022 11:31 pm

    395.


    De suave e aérea a hora era uma ara onde orar. Por certo que no horóscopo
    do nosso encontro benéficos conjuntos culminavam. Tal, tão sedosa e tão
    subtil, a matéria incerta de sonho visto que se intrometia na nossa consciência
    de sentir. Cessara por completo, como um verão qualquer, a nossa noção
    ácida de que não vale a pena viver. Renascia aquela primavera que, embora
    por erro, podíamos pensar que houvéssemos tido. No desprestígio das nossas
    semelhanças os tanques lamentavam-se da mesma maneira, entre árvores, e as
    rosas nos canteiros descobertos, e a melodia indefinida de viver — tudo
    irresponsavelmente.

    Não vale a pena pressentir nem conhecer. Todo o futuro é uma névoa que
    nos cerca e amanhã sabe a hoje quando se entrevê. Os meus destinos os
    palhaços que a caravana abandonou, e isto sem melhor luar que o luar nas
    estradas, nem outros estremecimentos nas folhas que a brisa, e a incerteza da
    hora e o nosso julgar ali estremecimentos. Púrpuras distantes, sombras
    fugidias, o sonho sempre incompleto e não crendo que a morte o complete,
    raios de sol mortiço, a lâmpada da casa na encosta, a noite angustiosa, o
    perfume a morte entre livros só, com a vida lá fora, árvores cheirando a
    verdes na imensa noite mais estrelada do outro lado do monte. Assim as tuas
    agruras tiveram o seu consórcio benigno; as tuas poucas palavras sagraram de
    régio o embarque, não voltaram nunca naus nenhumas, nem as verdadeiras, e
    o fumo de viver despiu os contornos de tudo, deixando só as sombras, e os
    engastes, mágoas das águas nos lagos aziagos entre buxos por portões (à vista
    de longe) Watteau, a angústia, e nunca mais. Milénios, só os de vires, mas a
    estrada não tem curva, e por isso nunca poderás chegar.

    Taças só para as
    cicutas inevitáveis — não as tuas, mas a vida de todos, e mesmo os lampiões,
    os recessos, as asas vagas, ouvidas só, e com o pensamento, na noite inquieta,
    sufocada, que minuto a minuto se ergue de si e avança pela sua angústia fora.
    Amarelo, verde-negro, azul-amor — tudo morto, minha ama, tudo morto, e
    todos os navios aquele navio sem partir! Reza por mim, e Deus talvez exista
    por ser por mim que rezas. Baixinho, a fonte longe, a vida incerta, o fumo
    acabando no casal onde anoitece, a memória turva, o rio afastado... Dá-me
    que eu durma, dá-me que eu me esqueça, senhora dos Desígnios Incertos,
    Mãe das Carícias e das Bênçãos inconciliáveis com existirem...





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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 18, 2022 5:20 am

    396.



    Depois que as últimas chuvas deixaram o céu e ficaram na terra – céu
    limpo, terra húmida e espelhenta -, a clareza maior da vida que com o azul
    voltou ao alto, e na frescura de ter havido água se alegrou em baixo, deixou
    um céu próprio nas almas, uma frescura sua nos corações.
    Somos, por pouco que o queiramos, servos da hora e das suas cores e
    formas, súbditos do céu e da terra. Aquele de nós que mais se embrenhe em si
    mesmo, desprezando o que o cerca, esse mesmo se não embrenha pelos
    mesmos caminhos quando chove do que quando o céu está bom. Obscuras
    transmutações, sentidas talvez só no íntimo dos sentimentos abstratos, se
    operam porque chove ou deixou de chover, se sentem sem que se sintam
    porque sem sentir o tempo se sentiu.
    Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por
    isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou
    padece. Na vasta colónia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando
    e sentindo diferentemente. Neste mesmo momento, em que escrevo, num
    intervalo legítimo do trabalho hoje escasso, estas poucas palavras de
    impressão, sou o que as escreve atentamente, sou o que está contente de não
    ter nesta hora de trabalhar, sou o que está vendo o céu lá fora, invisível de
    aqui, sou o que esta pensando isto tudo, sou o que sente o corpo contente e as
    mãos ainda vaga- mente frias. E todo este mundo meu de gente entre si alheia
    projeta, como uma multidão diversa mas compacta, uma sombra única — este
    corpo quieto e escrevente com que reclino, de pé, contra a secretária alta do
    Borges onde vim buscar o meu mata-borrão, que lhe emprestara.






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    Mensaje por Maria Lua Jue Dic 22, 2022 5:59 am

    397.


    Por entre a casaria, em intercalações de luz e sombra — ou antes, de luz e
    de menos luz -, a manhã desata-se sobre a cidade. Parece que não vem do sol
    mas da cidade, e que é dos muros e dos telhados que a luz do alto se
    desprende — não deles fisicamente, mas deles por estarem ali.
    Sinto, ao senti-la, uma grande esperança; mas reconheço que a esperança e
    literária. Manhã, primavera, esperança — estão ligadas em música pela mesma
    intenção melódica; estão ligadas na alma pela mesma memória de uma igual
    intenção. Não: se a mim mesmo observo, como observo à cidade, reconheço
    que o que tenho que esperar é que este dia acabe, como todos os dias. A razão
    também vê a aurora. A esperança que pus nela, se a houve, não foi minha; foi
    a dos homens que vivem a hora que passa, e a quem encarnei, sem querer, o
    entendimento exterior neste momento.

    Esperar? Que tenho eu que espere? O dia não me promete mais que o dia,
    e eu sei que ele tem decurso e fim. A luz anima-me mas não me melhora, que
    sairei de aqui como para aqui vim — mais velho em horas, mais alegre uma
    sensação, mais triste um pensamento. No que nasce tanto podemos sentir o
    que nasce como pensar o que há de morrer. Agora, à luz ampla e alta, a
    paisagem da cidade é como de um campo de casas — é natural, é extensa, é
    combinada. Mas, ainda no ver disto tudo, poderei eu esquecer que existo?
    A minha consciência da cidade é, por dentro, a minha consciência de mim.
    Lembro-me de repente de quando era criança, e via, como hoje não posso
    ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela então não raiava para mim, mas para a
    vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida. Via a manhã e tinha
    alegria; hoje vejo a manhã, e tenho alegria, e fico triste... A criança ficou mas
    emudeceu. Vejo como via, mas por detrás dos olhos vejo-me vendo; e só com
    isto se me obscurece o sol e o verde das árvores é velho e as flores murcham
    antes de aparecidas. Sim, outrora eu era de aqui; hoje, a cada paisagem, nova
    para mim que seja, regresso estrangeiro, hóspede e peregrino da sua
    presentação, forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.
    Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. No meu sangue
    corre até a menor das paisagens futuras, e a angústia do que terei que ver de
    novo é uma monotonia antecipada para mim.
    E debruçado ao parapeito, gozando do dia, sobre o volume vário da cidade
    inteira, só um pensamento me enche a alma — a vontade íntima de morrer, de
    acabar, de não ver mais luz sobre cidade alguma, de não pensar, de não sentir,
    de deixar atrás, como um papel de embrulho, o curso do sol e dos dias, de
    despir, como um traje pesado, à beira do grande leito, o esforço involuntário
    de ser.


    474





















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    Mensaje por Maria Lua Dom Dic 25, 2022 11:46 pm

    398.


    Tenho por intuição que para as criaturas como eu nenhuma circunstância
    material pode ser propícia, nenhum caso da vida ter uma solução favorável. Se
    já por outras razões me afasto da vida, esta contribui também para que eu me
    afaste. Aquelas somas de factos que, para os homens vulgares,
    inevitabilizariam o êxito, têm, quando me dizem respeito, um outro resultado
    qualquer, inesperado e adverso.
    Nasce-me, às vezes, desta constatação, uma impressão dolorosa de
    inimizade divina. Parece-me que só por um ajeitar consciente dos factos, de
    modo a que me sejam maléficos, a série de desastres, que define a minha vida,
    me poderia ter acontecido.


    Resulta de tudo isto para o meu esforço que eu não intento nunca
    demasiadamente. A sorte, se quiser, que venha ter comigo. Sei de sobra que o
    meu maior esforço não logra o conseguimento que noutros teria. Por isso me
    abandono à sorte, sem esperar muito dela. Para quê? O meu estoicismo é uma
    necessidade orgânica. Preciso de me couraçar contra a vida. Como todo o
    estoicismo não passa de um epicurismo severo, desejo, quanto possível, fazer
    que a minha desgraça me divirta. Não sei até que ponto o consigo. Não sei até
    que ponto consigo qualquer coisa. Não sei até que ponto qualquer coisa se
    pode conseguir...

    Onde um outro venceria, não pelo seu esforço, mas por uma
    inevitabilidade das coisas, eu nem por essa inevitabilidade, nem por esse
    esforço, venço ou venceria.
    Nasci talvez, espiritualmente, num dia curto de inverno. Chegou cedo a
    noite ao meu ser. Só em frustração e abandono posso realizar a minha vida.
    No fundo, nada disto é estoico. É só nas palavras que há a nobreza do meu
    sofrimento. Queixo-me, como uma criada doente. Ralo-me como uma dona
    de casa. A minha vida é inteiramente fútil e inteiramente triste





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    Mensaje por Maria Lua Lun Dic 26, 2022 11:58 pm

    399.


    Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol. Tive
    desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei, mais valeria tê-lo
    realmente achado. O sonho
    Tenho construído em passeio frases perfeitas de que depois me não lembro
    em casa. A poesia inefável dessas frases não sei se será parte do que foram, se
    parte de não terem nunca sido .

    Hesito em tudo, muitas vezes sem saber porquê. Que de vezes busco,
    como linha reta que me é própria, concebendo-a mentalmente como a linha
    reta ideal, a distância menos curta entre dois pontos. Nunca tive a arte de estar
    vivo ativamente. Errei sempre os gestos que ninguém erra; o que os outros
    nasceram para fazer, esforcei-me sempre para não deixar de fazer. Desejei
    sempre conseguir o que os outros conseguiram quase sem o desejar. Entre
    mim e a vida houve sempre vidros foscos: não soube deles pela vista, nem
    pelo tato; nem a vivi essa vida ou esse plano, fui o devaneio do que quis ser, o
    meu sonho começou na minha vontade, o meu propósito foi sempre a
    primeira ficção do que nunca fui.

    Nunca soube se era de mais a minha sensibilidade para a minha inteligência,
    ou a minha inteligência para a minha sensibilidade. Tardei sempre, não sei a
    qual, talvez a ambas, a uma ou outra, ou foi a terceira que tardou.
    Dos sonhadores de ideais? — socialistas, altruístas, humanitários de toda
    espécie — tenho a náusea física, do estômago. São os idealistas sem ideal. São
    os pensadores sem pensamento. Querem a superfície da vida por uma
    fatalidade de lixo, que boia à tona de água e se julga belo, porque as conchas
    dispersas boiam à tona de água também


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    Mensaje por Maria Lua Mar Dic 27, 2022 12:00 am


    400.


    Com um charuto caro e os olhos fechados é ser rico.
    Como quem visita um lugar onde passou a juventude consigo, com um
    cigarro barato, regressar inteiro ao lugar da minha vida em que era meu uso
    fumá-los. E através do sabor leve do fumo todo o passado revive-me.
    Outras vezes será um certo doce. Um simples bombom de chocolate
    escangalha-me às vezes os nervos com o excesso de recordações que os
    estremece. A infância! E entre os meus dentes que se cravam na massa escura
    e macia, trinco e gosto as minhas humildes felicidades de companheiro alegre
    de soldados de chumbo, de cavaleiro congruente com a cana casual meu
    cavalo. Sobem-me as lágrimas aos olhos e junto com o sabor do chocolate
    mistura-se ao meu sabor a minha felicidade passada, a minha infância ida, e
    pertenço voluptuosamente à suavidade da minha dor.

    Nem por simples é menos solene este meu ritual do paladar.
    Mas é o fumo do cigarro o que mais espiritualmente me reconstrói
    momentos passados. Ele apenas roça a minha consciência de ter paladar. Por
    isso mais em grupo e transferência me evoca as horas que morri, mais
    longínquas as faz presentes, mais nevoentas quando me envolvem, mais
    etéreas quando as corporizo. Um cigarro ao mentol, um charuto barato
    toldam de suavidade alguns meus momentos. Com que subtil plausibilidade de
    sabor-aroma reergo os cenários mortos e empresto outra vez as cores de um
    passado, tão século dezoito sempre pelo afastamento malicioso e cansado, tão
    medievais sempre pelo irremediavelmente perdido.




    478



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    Mensaje por Maria Lua Vie Dic 30, 2022 12:47 am

    401.


    Criei para mim, fausto de um opróbrio, uma pompa de dor e de
    apagamento. Não fiz da minha dor um poema, fiz dela, porém, um cortejo. E
    da janela para mim contemplo, espantado, os ocasos roxos, os crepúsculos
    vagos de dores sem razão, onde passam, nos cerimoniais do meu descaminho,
    os perigos, os fardos, os falhanços da minha incompetência nativa para
    existir. A criança, que nada matou em mim, assiste ainda, de febre e fitas, ao
    circo que me dou. Ri dos palhaços, sem haver cá fora do circo; põe nos
    habilidosos e nos acrobatas olhos de quem vê ali toda a vida. E assim, sem
    alegria, mas contente, entre as quatro paredes do meu quarto dorme, por
    inocência, com o seu pobre papel feio e gasto, toda a angústia insuspeita de
    uma alma humana que transborda, todo o desespero sem remédio de um
    coração a quem Deus abandonou.
    Caminho, não pelas ruas, mas através da minha dor. As casas alinhadas são
    os incompreendedores que me cercam na alma; os meus passos soam no
    passeio como um dobre ridículo a finados, um ruído de espanto na noite, final
    como um recibo ou uma jaula .
    Separo-me de mim e vejo que sou um fundo de um poço.
    Morreu quem eu nunca fui. Esqueceu a Deus quem eu havia de ser. Só o
    interlúdio vazio.
    Se eu fosse músico escreveria a minha marcha fúnebre, e com que razão a
    escreveria!





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    "Ser como un verso volando
    o un ciego soñando
    y en ese vuelo y en ese sueño
    compartir contigo sol y luna,
    siendo guardián en tu cielo
    y tren de tus ilusiones."
    (Hánjel)





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    Recomendado Re: FERNANDO PESSOA (!3/ 06/1888- 30/11/1935) ( ELE MESMO, ALBERTO CAEIRO, RICARDO REIS, ÀLVARO DE CAMPOS, BERNARDO SOARES, ETC)

    Mensaje por Maria Lua Dom Ene 08, 2023 3:53 am



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